tag:blogger.com,1999:blog-57482684336297576812024-02-20T06:07:23.973-03:00Prof. Newton Aquiles von ZubenNewton Aquiles von Zubenhttp://www.blogger.com/profile/14162650632468723133noreply@blogger.comBlogger4125tag:blogger.com,1999:blog-5748268433629757681.post-3504135454900051442011-04-03T16:40:00.000-03:002011-04-03T16:40:48.945-03:00A Filosofia e a Condição Humana<div align="right">Newton Aquiles von Zuben (*) </div><div align="justify"><br />
</div><blockquote><div align="justify">"Se filosofar é descobrir o sentido primordial do ser não se filosofa afastando-se da condição humana; é necessário, ao contrário, aprofundar-se nela". (MerleauPonty).</div><blockquote><blockquote><blockquote><blockquote><blockquote><blockquote><blockquote><blockquote><blockquote><blockquote><blockquote><div align="justify"><br />
</div></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><div align="justify">Filosofia e admiração</div><div align="justify">O sentido primordial do ser foi a preocupação primeira daquelesque posteriormente foram denominados "filósofos". Estes pensadores viram diante de si algo "thaumaston", algo extraordinário que os surpreendia arrebatando-lhes o olhar. Aristóteles, no início de sua obra Metafísica afirma: " Na verdade, foi pela admiração que os homens começaram a filosofar tanto no princípio como agora" (982 b-l3/14) thaumazein é o verbo grego que de modo aproximativo tentamos traduzir (sem dúvida amparados nos latinos que primeiro o entenderam como admirari) como admirar-se. Trata-se de um estado que nos acomete quando nos defrontamos com algo estranho por ser "thaumaston" extraordinário, admirável. No diálogo Teeteto, Platão refere-se à esta admiração como um pathos um estado interior que sentimos quando algo nos arrebata. "Experimentar esta espécie de encantamento, afirma Jolif, constituído pelo fato mesmo de ver é, segundo Platão, a paixão que afeta, mais que aos outros homens, o filósofo". E, em nota, acrescenta o mesmo autor: "Só assim, pensa Platão, o filósofo é eminentemente humano; pois, o homem é feito de modo a viver no thaumazein, isto é, a filosofia; nisto se distingue dos animais e dos deuses (Banquete, 204)" (Jolif, 1970 p. 21). Este sentimento nos acomete bruscamente sem que o busquemos. No verbo thaumazein encontra-se a raiz thea que significa ver, olhar. Ver e olhar atentamente (como arrebatado em paralisia) os latinos entendiam como contemplatio, contemplação. Aí articularam-se admirar e contemplar. Se Platão e Aristóteles vincularam o thaumaston e o filosofar "é para os que se recusam a conhecer o momento ambíguo do encantamento, como um espantalho." (Jolif, 1970, p. 20). E cita Clemente de Alexandria que diz: "a maioria das pessoas teme a filosofia dos gregos como as crianças receiam a assombração; têm medo que ela os arrebate. " (Stromata, IV, 80, apud Jolif, 1970, p. 20). Thaumazein foi entendido também como theoria (theorein). "0 ser-possuído pelo olhar, o dever-ser-inteiramente-olhar para o que se apresenta, define a essência da admiração". (Stein, 1975, p. 99). O ver se detém no objeto cujo surgimento causou o impacto sentido pelo olhar. Depois do "estado de admiração paralizante, o objeto se manifesta, provocando a vontade de saber. Com este querer saber pelo saber, nasce a filosofia." (Stein, 1975, p.99).</div><div align="justify">Continuando a mesma passagem da Metafísica, Aristóteles afirma que, perplexos (os homens) de início, ante às dificuldades mais óbvias, avançaram pouco a pouco e enunciaram problemas a respeito das maiores, como os fenômenos da lua, do sol e das estrelas, assim com a gênese do universo." O que arrebatava seu espanto admirado era, em primeiro lugar a natureza, a physis. Somente mais tarde, Sócrates voltou-se preocupado para o homem e as suas "dificuldades". "Na visão socrática, afirma Lima Vaz, o "humano" só tem sentido e explicação se referido a um princípio interior ou a uma dimensão de interioridade presente em cada homem e que ele designou justamente com o antigo termo de "alma" (psyché), mas dando-lhe uma significação essencialmente nova e propriamente socrática." (Lima Vaz, 1991, vol. 1. p. 34). E mais adiante esclarece que, para Sócrates, a alma é a sede de uma areté (excelência ou virtude) que permite medir o homem segundo a dimensão interior na qual reside a verdadeira grandeza humana". (Lima Vaz, 1991, vol. I, p.54). Aristóteles desejava assegurar as condições para o filosofar. "E o homem que é tomado de perplexidade e admiração julga-se ignorante ... ; portanto, como filosofavam para fugir à ignorância, é evidente que buscavam a ciência a fim de saber, e não com uma finalidade utilitária. E isto é confirmado pelos fatos, já que foi depois de atendidas quase todas as necessidades da vida e asseguradas as coisas que contribuem para o conforto e a recreação, que se começou a procurar esse conhecimento." (992-b/20-25).</div><br />
<div align="justify">Natureza humana e condição humana</div><div align="justify">O humano, em seu existir, sempre apresentou-se -- desde épocas remotas até nossos dias -- sob perspectivas diferentes. Desde Sócrates ele tornou-se um thaumaston. Correlativamente, diferentes e inúmeros modos de concebê-lo se sucederam no tempo e coexistiram no espaço nas mais diversificadas culturas.</div><div align="justify">Por mais variadas formas que tomaram as interrogações, estas podem resumir-se a uma questão básica com duas vertentes: o que é o homem?" e "quem é o homem?", tendo ambas em comum a certeza de o interrogador estar de um modo ou de outro implicado no âmago mesmo da questão. Assim sua forma torna-se "quem sou eu?". Neste círculo da compreensão, onde a relação sujeito-objeto deve receber tratamento peculiar, a expectativa da resposta face à questão se reveste da urgência e da força manifesta na fala da Esfinge: "responde ou morrerás". O enfrentamento da questão como compreensão do sentido passa a ser característica essencial do próprio homem. Vai de seu ser o questionar-se sobre o sentido de seu existir. Este passa a ser o thaumaston. </div><div align="justify">Reconhecendo-se parte integrante da tríade Eu-Natureza-Outro, a compreensão da natureza (mundo) e do outro articula-se dialeticamente com a compreensão de si. "Quem sou eu?" é a manifestação primeira do homem como questionador, como logon echon (o que tem a palavra). " O que admira quer dar a palavra ao seu objeto: logon didónai, afirma o prof. Stein (l975). E acrescenta, "esta possibilidade de dar palavras, logon didónai, se fundamenta no fato de que ela é primeiro possuída. O homem, no pathos da admiração, é posto em movimento em sua própria essência enquanto é: logon echon (o que tem palavra). " (Stein, 1975, pp. IOO-IOI).</div><div align="justify">O arcabouço desta palavra originária, ou da linguagem como arché (princípio), onde estão vazadas as relações Eu-Mundo-Outro, definirá a "condição humana" como situação e transcendência. Sobre esta palavra originária que caracteriza o ser humano irá constituir-se, hoje, a linguagem como instrumento de conhecimento e como comunicação. </div><div align="justify">No início deste século, Max Scheler, tido como o sistematizador da disciplina Antropologia Filosófica no sentido que hoje se lhe dá, refere-se a uma situação de crise devida, de modo eminente, à falta de unidade nas concepções de homem em nossa cultura ocidental, e conseqüente diversidade dos discursos sobre o humano. Diversidade é o diagnóstico; diversidade na história que apresenta as mais variadas concepções de que se tem conhecimento na cultura; e diversidade dos discursos das múltiplas ciências que provocaram a pulverização do "objeto": homem. Mesmo entre as denominadas ciências humanas", por apresentarem facetas peculiares em seus pressupostos epistemológicos e em seus objetivos, parece difícil uma articulação conciliatória.</div><div align="justify">O que para muitos é uma riqueza --essa pluriversidade -- Max Scheler vê nesse fato uma situação de crise. De fato, inúmeras concepções e idéias de homem povoam nossa história. As filosofias, as ciências exatas e as ciências humanas (desde o séc. XIX) sempre se voltaram para esta questão. Muitas filosofias apresentaram mesmo a "teoria do homem" como a medula de seus sistemas. O prof. Lima Vaz refere-se em sua citada obra à proposta de A. Diemer de uma Antropoteoria "tendo como objeto as imagens do homem difusas na cultura e que se inspiram oras nas ciências hermenêuticas, ora nas ciências empírico-formais." (Lima Vaz, 199 1, vol. I, p. I I).</div><div align="justify">Na realidade, pelas ciências conhecemos diversas facetas dos "homines": homo sapiens, homo loquax, homo ludens, homo socialis, homo economicus, homo religiosus, homo cyberneticus e, recentemente, homo symbioticus! O que isso nos ensina? O que a história nos revela? Não será algo bem simples: que a idéia de homem é pluriversal? Por quê razão deve-se buscar uma dimensão que fundasse a unidade para além das concepções diversas? É possível a constituição de uma idéia universal de homem? Para resolver qual tipo de problema? Tais são questões que merecem nossa atenção. A busca de uma idéia unitária não se faz hoje sem dificuldades.</div><div align="justify">Nas sendas de Max Scheler, alguns entendem que a tarefa de uma Antropologia Filosófica consistiria em elaborar uma idéia unitária de homem com a manifesta pretensão de se erigir como logos explicativo e fundante das diversas concepções sobre as manifestações do existir humano. O " objeto" homem desdobra-se em múltiplas direções. "A Antropologia Filosófica, afirma Lima Vaz, se propõe encontrar o centro conceptual que unifique as múltiplas linhas de explicação do fenômeno humano e no qual se inscrevam as categorias fundamentais que venham a constituir o discurso filosófico sobre o ser do homem ou constituam a Antropologia como antologia." (Lima Vaz, 1991, vol.l, </div><div align="justify">A história da filosofia nos mostra que a idéia unitária foi também constituída, elaborada por filósofos para fazer frente a determinados problemas, e tal posição coexistia com outras concepções divergentes que antecederam ou que se seguiram. Trata-se, então, de mais uma concepção ao lado de outras. Pode-se perguntar: por quê razão dar primazia a esta em vez de qualquer outra? A que problema se defronta a resposta que se apresenta como a busca da essência-universal e necessária -- de homem? Deve mesmo a Antropologia Filosófica defrontar-se com a questão da "natureza humana", da essência humana? Responder à questão: "quem sou eu?" estabelecendo a essência do homem, não pode parecer, hoje, uma pretensão desmesurada e até anacrônica face à "condição humana" (praxis) e diante da realidade das ciências humanas (teoria)? Quer me parecer que a Antropologia Filosófica deve voltar-se sobretudo para a questão: que vamos fazer do homem? De posse de uma idéia unitária de homem, isso nos garantiria a superação da crise à qual, segundo Max Scheler, deveria estar sensível a Antropologia filosófica face aos diversos discursos e saberes novos sobre o homem e que nossa história recente nos revela? Repito, que problema seria solucionado com a constituição de uma idéia unitária que subsumisse todas as diversas concepções através da história? E mais, como se constituiria tal idéia unitária? A constituição desse "universal" que representa todos os homens no Homem se daria em detrimento das condições históricas particulares? Que tipo de tipo de "ponto de junção" seria adequado e eficaz para efetivar tal articulação entre a idéia universal e as particularidades?</div><div align="justify">Ademais, uma crise é para ser superada? O que é crise? O que significa e implica uma superação? Ou a crise denota "dar razão de" (logon didonai), empreendimento singular da tarefa filosófica? Não seria a crise a situação normal e não-crise a exceção? No plano humano -- é o que nos interessa quando tentamos "pensar a condição humana", tal como nos sugere Hannah Arendt -- a própria concepção ontológica do homem, vale dizer, a compreensão do ser humano vazada em categorias universais não é ela própria uma criação da cultura humana, da cultura filosófica?</div><div align="justify">Pode-se objetar que o fato de se afirmar que o homem, na história justamente por reconhecer-se histórico constrói a cultura é uma posição reducionista (historicista). Como entender a concepção que pretende atribuir ao homem uma essência, ou constituir uma idéia unitária do homem?</div><div align="justify">Platão, em sua metafísica, tentou evitar a diversidade das aparências e o problema da mudança com a teoria das Idéias e com sua teoria dos modelos: cada ente do mundo sensível deve corresponder a uma idéia, no mundo ideal, garantia de verdade. O homem concreto deste mundo sensível deve corresponder ao modelo de homem no mundo das idéias. Assim à essência (eidos) de homem correspondem todos os homens como cópias que correspondem a seu modelo. Estaria garantida a unidade, a idéia seria garantia da unidade. Só a idéia é verdadeira. O problema foi solucionado. A metafísica de Platão, com seu mundo sensível e o mundo ideal não é uma criação (genial por sinal) no universo da cultura humana? Platão não tencionava, talvez, encontrar uma invariante, a natureza humana, que perdurasse na história não só como evento mas como narração?</div><div align="justify">Qual a razão de ser da "idéia unitária"? Exigência de sistema -- como arranjo ou arquitetônica de conceitos --, que torna imediatamente compatíveis e compossíveis todos os aspectos da experiência" (Merleau-Ponty, 1966, p. 166)? Ou uma exigência de se encontrar um fundamento absoluto? "Que haja ou não, afirma Merleau-Ponty, um pensamento absoluto e, em cada problema prático, uma avaliação absoluta, não disponho para julgar senão de opiniões minhas, que são passíveis de erro, por mais criteriosamente que eu as discuta". (Merleau-Ponty, 1966, p. 166). E, prossegue o filósofo, "quando não é inútil, o recurso a um fundamento absoluto destroi aquilo mesmo que deve fundar". (Merleau-Ponty, 1966, p. 166).</div><div align="justify">A "condição humana" hoje impõe-se, como questão, à nossa reflexão filosófica, assim como no passado se impôs a ,,natureza humana" ou a questão "idéia" de homem. A própria historicidade do humano reconhecida de modo marcante desde Hegel até nossos dias, não se estende também às concepções científicas nos dando a entender que a própria concepção essencialista do homem deva passar pelo escrutínio crítico da reflexão? Aí reside para a filosofia a autêntica "crise" (krinein). Diante das mais diversas ciências que tomam o homem como " objeto" de investigação, a tarefa de uma Antropologia filosófica seria a de apresentar uma idéia unitária de homem? Ou, ao contrário, não se trataria, diante da fertilidade do poder criador do homem (cultura) de uma situação de diversidade essencial, de uma "pluriversidade" gerando um campo de debate onde inúmeras interpretações se fertilizam reciprocamente? O que uma ou mais concepções revelam? O que uma antropoteoria apresenta numa determinada época? Não são a própria condição humana, as experiências vivas, concretas, de seres históricos, sempre diversas? Ou uma ficção científica? No passado, falava-se de utopia e não de ficção científica. A utopia "desempenhava o papel de modelo social cuja finalidade e irrealidade era freqüentemente aceita." (Schaff, 1991, p. 154). E na "condição humana" é o homem (são os homens) que se mostram como ser situado no mundo. E "é diante de nós, afirma Merleau-Ponty, na coisa onde nos coloca nossa percepção, no diálogo onde nossa experiência do outro nos lança por um movimento do qual não conhecemos ainda toda a elasticidade e toda força, que se encontra o germe da universalidade ou a 'luz natural' sem os quais não haveria conhecimento. (Merleau-Ponty, 1966, p. 163). </div><div align="justify">Qual, então, a tarefa da Antropologia filosófica numa época de exuberante diversidade e plasticidade das ciências humanas? Reapresentar uma concepção metafísica que resgate a idéia unitária? Como conciliar um tal discurso com os discursos científicos das ciências tanto as exatas ou empírico-formais, quanto as hermenêuticas? Como poderíamos pensá-las, em sua articulação, as diversas concepções e perspectivas sob as quais se revela o humano através da história? Como articular as ciências e a filosofia em seus discursos sobre o humano? MerleauPonty refere-se a uma lei da cultura segundo a qual esta só progride obliquamente, isto é, "cada idéia nova tornando-se após aquele que a instituiu outra coisa do que nele era." (MerleauPonty, s/d, p. 341). E, afirma o filósofo nesse seu ensaio "0 homem e a adversidade", "um homem não pode receber uma herança de idéias sem a transformar pelo próprio fato de que dela toma conhecimento, sem lhe injetar a sua própria maneira de ser, e sempre outra." (Merleau-Ponty, s.d, p. 341). Deve-se reconhecer um avanço nas ciências humanas na ordem da especialização e do alargamento de novas questões. A sociedade informática (Adam Schaff) lança, hoje, contundentes desafios à nossa capacidade de reflexão. Diante das velozes e profundas mudanças de ordem econômica, social, cultural e política, o indivíduo vê transfigurar-se a sua "condição". como "homo autocreator" na expressão de Adam Schaff, ele busca para si novo sentido da vida e novos valores para orientar sua ação. Merleau-Ponty (s/d), em seu ensaio citado acima, quase nostálgico, afirma: " Pomo-nos, por vezes, a ponderar o que poderiam ter sido a cultura, a vida literária, o ensino se todos aqueles que nisso participam, tendo rejeitado os ídolos uma vez por todas, se entregassem ao prazer de refletir em conjunto..." (p. 369). O que me incômoda nesse texto de Merleau-Ponty são as reticências!</div><div align="justify">A frase truncada por uma força desconhecida e poderosa, tal como um sonho que se desfaz ao se despertar bruscamente. De fato, o próprio MerleauPonty (s/d), nos desperta, ao afirmar em seguida, numa expressão tão seca quanto enigmática, sem explicações posteriores, quase um lamento: "Mas esse sonho não é razoável." (p. 369).</div><div align="justify">Diante disso, que sentido teria, hoje para nós, uma idéia unitária de Homem ,idéia essa proposta como solução a um determinado problema pela metafísica platônica? Esse problema foi essencial em determinado momento, para a reflexão filosófica. Ainda Merleau-Ponty (s/d) nos lembra que: "0 movimento das idéias só chega a descobrir verdades ao responder a alguma pulsação da vida interindividual, e toda mudança no conhecimento do homem tem nele relação com uma nova maneira de exercer sua existência (p. 342). Merleau-Ponty vê nas idéias uma volubilidade constante que as transforma "à medida que nascem". As idéias de homem transformam-se, pois, a situação humana se modifica. "Se o homem é o ser que não se contenta em coincidir consigo, como uma coisa, mas que se representa a si mesmo, se vê, se imagina, se dá de si mesmo símbolos, rigorosos ou fantásticos, é evidente que em contrapartida, toda mudança na representação do homem traduz uma mudança no próprio homem" (Merleau-Ponty, s/d, p. 342).</div><div align="justify">O homem, ser não coincidente consigo, tal uma coisa, ser inconcluso, viajante, situado mas transcendendo-se sem cessar; ser único capaz de se representar, ser simbólico. Merleau-Ponty vê como evidente a interelação entre autorepresentação e o próprio ser do homem como existente histórico e social. Idéia e situação concreta refletindo-se dialeticamente. Homem situado, eis sua situação originária, condição que o leva a questionar-se como existente. O que é existir? "A existência, afirma MerleauPonty (l966), é o movimento pelo qual o homem está no mundo engaja-se numa situação física e social que se transforma no seu ponto de vista sobre o mundo."(p-125). Situação física, vale dizer, o homem defronta-se com objetos – os pragmata -- frutos de sua póiesis , as coisas seladas com sentido pelo poder significante dessa poiesis, desse operar. Recupera importância, hoje, a questão da relação do homem com a natureza. Serge Moscovici (l975) já nos alertara, ao afirmar: "tudo nos leva a pôr fim à visão de uma natureza não humana e dum homem não natural." (p. 13). Situação social vale dizer, o homem encontra-se com o outro, no face a face, instaurando a trama social, encontro vazado pela sua praxis, por sua ação. Vida no diálogo dirá Martin Buber. Ser no mundo, "nossos pensamentos, nossas paixões, inquietações giram em torno de coisas percebidas" (Merleau-Ponty, 1966, p. 127). Nossa consciência intencional, voltada para o outro que ela mesma, o diferente; tal movimento lhe é essencial, e é através dele -- como intencionalidade -- que a consciência busca uma "estabilidade que lhe faz falta. " (idem). </div><div align="justify">Trata-se de elaborar um conceito de humano. Se tomarmos como ponto de partida o empírico, o caminho a seguir é destacar pela observação os traços que de certo modo especificam o ser humano. Poderíamos tomar, por ex., a linguagem, a fabricação de utensílios, a capacidade de significação, a afetividade. Enfrentamos, no entanto, um problema: como detectar um traço como peculiar exclusivamente ao humano? Em outros termos, como afirmar que tal traço só se revela no grupo humano e em cada indivíduo desse grupo? Impõe-se então, uma assinalação que permita assegurar que tal indivíduo responde à caracterização de humano, pertence ao grupo humano. Pode-se entrar num beco sem saída. Apela-se, então, a um aspecto não empírico, isto é, à via reflexiva. Construir um conceito de humano reflexivamente significa partir do fenômeno humano em sua auto-mostração e daí elaborar sua estrutura constitutiva. Outro problema surge; este esforço reflexivo é, por sua vez, uma atividade do humano. Isso implica, então, que se lhe reconheça a possibilidade de autocompreensão que viabiliza qualquer explicitação de conceitos articuladamente ordenados. Admite-se, assim, a possibilidade de uma pre-comprensão, tida como elemento constitutivo do ser humano que pode tornar-se patente no discurso através da reflexão. Em outros termos, o sujeito humano como possuidor da palavra -- logon echon -- expressa por esta palavra uma auto-apreensão considerada um dos elementos constitutivos de seu próprio existir. Tal auto-apreensão não é mera intuição, mas uma decifração, uma hermenêutica. Tal auto-apreensão interpretativa alia-se a uma auto-avaliação. Isso quer dizer que a compreensão implica um posicionar-se frente a si próprio. O que o sujeito "diz" ao auto-apreender-se relaciona-se dialeticamente, como o próprio existir, com aquilo no que ele se transforma ao existir. Temos assim um existir concreto, efetivo e a constituição de um conceito do humano -- e uma hermenêutica do existir humano. As condições do existir afetam a auto-apreensão -- pre-refiexiva -- desse existir e deverão igualmente afetar a reflexão, ou a auto-apreensão reflexiva do sujeito humano. Dentre estas condições originárias, a historicidade. Isso significa que a auto-apreensão não procede à maneira de uma posse imediata realizada uma vez por todas de uma "essência" homem, uma apreensão fora do tempo. O existir se mostra, em sua constituição, como fluxo significativo de eventos -- é a condição humana histórica --, do mesmo modo a reflexão é um processo de reapropriação e de reavaliação interpretativa contínuas abrindo sempre novas possibilidades de compreensão. Como enigma prático o existir vai, em sua dinâmica própria, revelando-se sob novos aspectos, buscando para si sempre novas conformações. A historicidade é, assim, constitutiva tanto do existir quanto da elucidação interpretativa desse existir.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">A busca do sentido</div><div align="justify">A teoria dos gregos, traduzida pelos latinos por contemplatio (contemplação) denota uma separação. Contemplar significa separar alguma coisa em algum setor distinguindo-a.</div><div align="justify">A teoria do "homem" define um modo de o homem se mostrar. A teoria vai de encontro com o real porque este, por sua vez, deixa-se abordar em sua "mostração", em sua aparição. Há relação entre a contemplação (visada, atitude própria do sujeito) e o fenômeno visado que se deixa visar. Esta relação é uma relação de interdependência. E mais, é necessário uma série infinda de "visadas", de abordagens para se estabelecer o sentido (significado e direção) da existência humana. No transcurso de seu existir histórico, o homem manifesta-se sob a forma de "obras", realizações, feitos que são sinais. O homem é um "mostrador". Signo é aquilo que, em sua constituição, indica. Ele indica a si mesmo e aquilo do que ele é a "mostra". O que se refere aos homens, suas obras são os indicadores de sua ação no mundo. O que constitui o mundo? Como se instaura a mundanidade? É o resultado da interação do homem com tudo o que está à sua volta, o ambiente. Não é o homem que constitui o mundo mas ele tem sua parte nessa constituição. O mundo é constituído pela relação entre homem e as coisas, para empregar um termo simples. Tal relação é uma relação de sentido. Uma obra de arte mostra-se como uma obra de arte do homem ou como uma maneira (índice) de o homem significar e habitar o mundo (como artista, como artífice que deu forma a alguma coisa. Ele ordenou uma certa realidade: tintas, tela, sombra, espaço, transformando tudo isso em um quadro, uma obra de arte. O homem se mostra mas também pode esconder-se nas suas obras no momento em que estas se mostram à visão, à visada, à contemplação. Ao fazer "feitos", ao obrar ,,obras", o homem age sobre a realidade aparentemente "informe" e a transforma em mundo. Note-se porém, que ao se dizer que algo é uma realidade essa afirmação já está indicando certa forma. Eu posso transformar des-formando uma forma, uma ordem já existente. Por isso que certas formas, certos "mundos" para muitos tem um sentido e para outros não apresentam sentido algum ou outro sentido (são diferentes).</div><div align="justify">O homem habita o mundo basicamente de dois modos: pela ação (praxis) e pela compreensão. Habitar o mundo implica para o homem ter à sua disposição os utensílios necessários para produzir sua existência abrindo-se à sua circunstância. Estabelece-se uma homeostase entre o homem e a realidade. O meio ambiente oferece ao homem os meios para a obra, assim o homem humaniza a natureza e esta o naturaliza. O homem faz algo e surge o mundo. A praxis atua o mundo e este mundaniza a ação.</div><div align="justify">Habitar o mundo pela ação denota a vasta e rica dimensão da experiência concreta, vivida nas relações com o mundo e os outros. Deve-se considerar uma distinção importante: de um lado, o mundo da ciência, o universo melhor dizendo, é um mundo pensado, destinado a uma operação intelectual, à explicação; de outro lado, o mundo para mim é um mundo vivido e, é este mundo que tenho que compreender. Merleau-Ponty (l975), em seu magnífico ensaio, O olho e o espírito, observa: "A ciência manipula as coisas e renuncia a habitá-las. Fabrica para si modelos internos, operando sobre esses índices ou variáveis as transformações permitidas por sua definição, só de quando em quando se defronta com o mundo atual. Ela é, sempre foi, esse pensamento admiravelmente ativo, engenhoso, desenvolvido, esse parti pris de tratar todo ser como "objeto em geral", isto é, a um tempo como se ele nada fosse para nós e, no entanto, se achasse predestinado aos nossos artifícios." (Merleau-Ponty, 1975, p.275).</div><div align="justify">E mais adiante acrescenta: "Dizer que o mundo é por definição nominal, o objetivo X de nossas operações é levar ao absoluto a situação de conhecimento do sábio, como se tudo o que foi ou é nunca houvesse sido senão para entrar no laboratório". (Merleau-Ponty, 1975, p.276). Nas palavras de E. Stein (l975), a ciência ignora o real, ela conhece apenas o objetivo.</div><div align="justify">Esta habitação do mundo pelo homem entendida sob a égide da categoria da ação refere-se como o seu solo primeiro de expressão daquilo que se entende por experiências vividas concretas. Estas experiências são eventos que, por serem vividos, posso apreende-los através de expressão, os gestos, palavras e atividades de todo gênero. Os eventos vivemos na experiência concreta, a expressão, a descoberta de sentido visam, no homem, em cada um de nós, o plano de realização de si, o esforço próprio do existir significante. O conhecimento não visa apenas uma dissecação ordenada, metódica, rigorosa, à qual submete-se facilmente um "objeto" de investigação, visa sobretudo num plano mais abrangente a orientação para uma realização pessoal. "A vida de acesso ao evento não deve ser percorrida sob o modo exclusivo da explicação mas também sob o modo da compreensão." (Barbotin, 1987, p. IO). É preciso, portanto, afirma E. Stein (l975), mostrar à ciência os seus limites. "Por si, ela jamais será humana. Nunca poderá, por si mesma, habitar o real, apenas o manipula." (p. 107).</div><div align="justify">As obras escondem, no seu sentido, a face do homem, sua marca, seu traço, sua fisionomia. Elas "exprimem", manifestando, o sentido da existência humana. O que significa, aqui, exprimir? Pode-se entender o termo expressão num duplo sentido. Por exemplo, uma iniciativa, uma viagem, um gesto (por vezes mecânico) votar neste ou naquele candidato, neste ou naquele partido, tantas manifestações que exprimem ao mesmo tempo o que nós somos e aquilo que aspiramos ser, ou as nossas realidades, virtualidades e potencialidades.</div><div align="justify">Nossos atos e os resultados destes atos, os feitos, nos revelam o que somos, fazem aparecer ao observador nossa "natureza", nossa maneira de ser. Tal expressão nos reduz àquilo que somos de fato. Há como a própria expressão revela uma redução.</div><div align="justify">Por outro lado, tais obras, exprimem aquilo que me falta, aquilo de que careço ou aquilo que aspiro. A carência revela-se então como uma das modalidades da plenitude. De novo vemos a ambigüidade presente, uma vez que nossas manifestações têm duas faces: uma retrospectiva e outra prospectiva. Enquanto a primeira diagnostica o que o homem é, a outra anuncia, como que em pontilhado, uma possibilidade virtual do caminho, do projeto ideal, utópico que será ou não preenchido pela manifestação de fato. De um lado, constata-se (aqui a antropologia se dá como tarefa interpretar as obras como sinais da ação do homem). De outro lado, vislumbram-se as exigências e aspirações do homem. A primeira visa a exatidão maximal, a outra a utopia como fator revolucionário voltado para o futuro.</div><div align="justify">Como manifestações essenciais do homem - seus feitos, seus gestos, obras, realizações, a sua mundanização da natureza - exigem de nós que as consideremos como tais e como signos do homem. Para entende-los devemos nos dirigir a elas. Pode-se considerar isso como um "desvio", uma volta por elas para se chegar ao homem. Como chegar por essas ao homem? Por estas o homem se dispersa. Como encontrar uma unidade de sentido? Através do feito devemos chegar ao sentido do "fazer", das obras ao sentido do obrar, das realizações ao sentido do realizar. De que maneira? Aqui entra em cena a compreensão reflexiva. Esta não é pura volta da consciência sobre si mesma. A reflexão só pode operar a partir daquilo que se manifesta. Ela não consiste em retornar para a interioridade de um puro vivido mas em captar s sentido daquilo que se mostrou n exterioridade. A reflexão se esforça par ir dos efeitos de uma ação ao sentido mesmo desta ação. A reflexão tem então uma finalidade integrativa, vale dizer, após a necessária fragmentação no cotidiano das obras, das realizações, deve chegar a uma unidade. É o sentido que dá unidade a tudo. Ela é uma interpretação no sentido da unidade. Compreender significa tanto tomar posse de um processo (um teorema, uma reação psicológica, um evento social, etc.), como analisar a maneira da aparição do fenômeno, as causas, e sobretudo fazer sua a "causa" de alguém. A reflexão tenta recuperar o sentido do homem perfazendo um longo caminho que passa pelas obras, pelos feitos postos pelo homem (cultura). Podemos reconhecer nesta tarefa da reflexão, como busca de sentido, vínculo estreito entre conhecimento e a ação. Aqui a reflexão tem a ver intimamente com a concretude da praxis.</div><div align="justify">A introspecção como atividade da consciência que permanece fechada sobre si, voltada para si, revela a falsidade da consciência ou uma situação mórbida de autismo. Suspeitamos de sua autenticidade. Tal consciência simula, falsifica a realidade porque a reduz. Ela deve romper-se, projetar-se para fora de si indo de encontro com a realidade, com a concretude existencial das obras do homem. Há uma dificuldade porém. O homem não se defronta diretamente com a realidade, não a vê cara-a-cara. Ele vai ao seu encontro através de símbolos. E estes, de certo modo, ofuscam a visão clara da realidade uma vez que o homem só atinge, através destes símbolos, uma parte da realidade. E o homem orienta sua ação e sua prática social através destes. Convém esclarecer esses símbolos. Como? Através do exercício de reflexão que é um exercício de suspeita. Os símbolos tecem a região das significações complexas, de duplo sentido. Nesta região do simbólico o "outro" sentido se dá e se oculta em lugar do sentido imediato. Há sempre o invisível atrás do visível . Tal tarefa é um exercício de suspeita no sentido em que ela tenta reduzir às suas verdadeiras dimensões as ilusões das representações que impedem o acesso ao real. A reflexão elabora-se como uma abordagem crítica da realidade. A visão alienada cede lugar à consciência libertada. De que? Dos preconceitos que desvirtuam a visão. Conscientização significa recuperar nossa especificidade existencial, nossa identidade, nosso sentido como sujeito no vasto campo das objetivações, das realizações, dos atos e das obras, enfim dos símbolos. Trata-se de uma re-apropriação de nosso ser, resgatando-o de sua alienação "sócio-objetal". O homem se perde, se extravia entre os "objetos", os seus feitos, É separado do centro de sua existência, assim ele se separa do mundo e do outro, torna-se "estrangeiro" no mundo. Camus disse que o homem é estrangeiro porque o mundo é absurdo. Pode-se dizer que o mundo é absurdo porque eu me faço estrangeiro e estranho ao mundo e no mundo.</div><div align="justify">Urge ao homem deixar de ser objeto no mundo de objetos alheios para ser sujeito no mundo próprio. A passagem da consciência ingênua (falsa) à consciência lúcida (crítica) e transformadora do real, no mundo, significa reconhecer em nós a densidade cultural de nossos produtos, de nossas obras ao termo prospectiva. Afirma-se: o homem deve ser o que é. O que ele é defronta-se com o que ele aspira ser. Abre-se a fenda entre o ser e o querer-ser, origem geradora de angústia. Partindo do ser "perdido" nas obras a conscientização rompe com as falsas representações e comanda o curso da história mediante um compromisso transformador; o homem passa da alienação à liberdade. Esta liberação permite ao homem perceber o sentido de sua vontade de ser. A praxis reflexiva constitui a "apropriação de nosso esforço por existir e nosso desejo de ser, através das obras que testemunham este esforço e este desejo" (Ricoeur). A reflexão liberta o homem. Ela se desenvolve então como denúncia e como anúncio.</div><br />
<div align="justify">Antropologia: filosofia e ciência.</div><div align="justify">De modo geral "antropologia" designa o conjunto, das ciências humanas, procurando abranger o fenômeno humano o mais globalmente possível, no conjunto das manifestações. Toda ciência é de certo modo antropologia. Não há ciência pelo homem que não seja ciência do homem, reveladora do homem. Fazer ciência é um certo modo de ser homem.</div><div align="justify">A antropologia tem dupla ambição: a de ser uma ciência e ao mesmo tempo a ambição de abranger a totalidade do humano, ou todas as manifestações do humano. Esta dupla ambição situa-se na mitologia científica do séc. XX. O prestígio das ciências aumenta sem cessar por entre os protestos do homem que as fez nascer e desenvolver. O homem sente-se atraído por esta nova manifestação do, sagrado". Como diante do sagrado, o homem tem um duplo sentimento diante da ciência: atração e terror. O cientista acometido pelo mal "filosofia" troca seus escrúpulos com o filósofo que sofre de ,,rigor científico". De um lado, um (pseudo) filósofo que sonha com uma filosofia tecnicista e, de outro, o cientista (pretensioso) que se atribui, sem qualquer sombra de vergonha, o poder de tudo explicar. Estamos diante de um duplo perigo fatal: o de o filósofo fazer má ciência e de o cientista fazer péssima filosofia. </div><div align="justify">Este clima atinge também a antropologia como estudo do humano. Ela se ressente desta má ambigüidade que provoca a dupla ambição refletida no paradoxo de que se falou há pouco: ambição de uma objetividade científica confundida com a ambição da perspectiva da totalidade do saber sobre o homem. </div><div align="justify">A temática da explicação e da compreensão encerra-se no âmbito da questão do subjetivo e do objetivo no esforço do conhecimento da condição humana. Ambas, explicação e compreensão não têm sucesso se cada um desses procedimentos tentar exaurir a totalidade do conhecimento humano. Devem, ao contrário, complementar-se. Posso, todos concordam, ser estudado pelo biólogo, ou pelo psicólogo, em meu organismo biológico ou em meu psiquismo. No entanto, tentar reduzir-me a mero "objeto" pela ciência ou pela técnica, significa para mim uma violência, quase uma profanação daquilo que ,em mim , rejeita qualquer redução a mero objeto, minha subjetividade, a plena consciência de meu eu corporal, volitivo, imaginativo, emotivo, moral. Assim, como afirma Barbotin, "ao mesmo tempo em que me ofereço à ciência como objeto, eu me furto às suas garras à título de sujeito e a proíbo, portanto -- cúmulo do paradoxo -- de ignorar como tal: o biólogo não tem o direito sobre meu corpo como ele faz com a planta ou com o animal. Em termos simples, pode-se dizer que a objetividade pretende opor-se ao imperialismo do sujeito, de seus desejos e fantasias, reduzido a um "eu" transcendental. O cientista esforça-se por submeter-se aos fatos, à realidade sem intervir nela ou modificá-la. Mas será isso possível? Parece que às vezes confunde-se esclarecer e interpretar com violentar.</div><div align="justify">A objetividade começa pela intenção do sujeito, do indivíduo em ser objetivo, sendo portanto uma qualidade do sujeito. A objetividade poderia então ser definida pela intenção de objetividade, vale dizer, de submeter-se aos fatos, a um método, ao controle dos outros e finalmente ao confronto dos outros cientistas, outras teorias, etc.. Tal intenção se verifica pela elaboração de um conjunto coerente e sistemático de procedimentos próprios à verificação, à crítica e à confrontação. O .controle pelos fatos e pelo outro representa os dois pólos da racionalidade científica, cuja preocupação se define por um apelo à razão, isto é, em "dar razão" de seus caminhos e perspectivas.</div><div align="justify">Compreendida como conjunto de manobras de aproximação antes de ser algo adquirido, esta objetividade aproximativa que caracteriza as ciências humanas levanta uma dificuldade responsável pela ambigüidade da antropologia. Trata-se de saber se a objetividade, definida em termos gerais como a intenção mais ou menos realizada (pois a implicação do observado faz parte dos coeficientes de incerteza), como perspectiva de confrontação com a realidade e com a perspectiva do outro, é possível e em que condições, em uma antropologia entendida como discurso voltado para o homem como sujeito e suas relações intersubjetivas, p.ex. É uma dificuldade real. Que sentido tem a objetividade científica para um discurso que toma como objeto o próprio sujeito que o elabora? Não parece contraditória esta idéia de objetividade aplicada à investigação do humano uma vez que sujeito e objeto se confundem de certo modo? Vejamos. A submissão ao real e ao confronto com o outro implica em uma colocação à distância, uma perspectivação que fazem deste dado real um objeto (objectum=posto diante de). O fato observado, o dado a ser observado encontra-se diante do observador. Agora pode-se perguntar: como pode o sujeito, em sua condição de existente (com toda a densidade ontológica e emocional que o acompanha) ser colocado "diante de", em face de, sem que se desvirtue sua natureza de sujeito. O sujeito humano como centro de interesse do saber, ou melhor, na qualidade de questionador não parece rebelde a uma objetividade, a um método científico? Em outros termos, pode-se ser objetivo em um sentido (submisso ao real, ao confronto, ao controle intersubjetivo) sem ser objetivo em outro sentido "objetificador"? Tornando-se "objeto" da ciência o homem não deixaria de ser sujeito? Não abandonamos, em nome da objetividade, aquilo mesmo que tentamos conquistar. A saber, o sentido do sujeito e de suas relações com o outro, com o mundo na história?</div><div align="justify">O empreendimento das ciências humanas em seu esforço de conhecer o homem unicamente pela explicação corre o risco de se tornar um pensamento operatório". "0 pensamento operatório, afirma Merleau-Ponty (l975), torna-se uma espécie de artificialismo absoluto, como se vê na ideologia cibernética, onde as criações humanas são derivadas de um processo natural de informação, porém concebido, por sua vez, segundo o modelo de máquinas humanas. Se este gênero de pensamento toma a seu cargo o Homem e a História, e se, fingindo ignorar o que deles sabemos por contato e por posição, empreende construí-los a partir de alguns indícios abstratos, como fizeram nos USA uma psicanálise e um culturalismo decadentes, visto que o homem se torna verdadeiramente o manipulandum que ele pensa ser, entra-se num regime de cultura onde já não há verdadeiro ou falso no tocante ao Homem e à História, num sono, num pesadelo do qual nada poderia acordá-lo. " (p. 276).</div><div align="justify">A antropologia empreende a sua tarefa como busca de sentido. Enquanto as ciências descrevem a realidade humana, a filosofia do homem reflete (busca interpretativa, hermenêutica) sobre o que o homem pode fazer com essa realidade. As ciências desvelam, mostram os condicionamentos de ordem social, psicológica, econômica ou política, que atuam sobre o homem. A filosofia mostra como o homem assume - liberdade - estes condicionamentos e nesta assunção dá sentido à sua existência. (Canclini, 1987).</div><div align="justify">Após a configuração do homem pelas ciências humanas, em suas diversas perspectivas, resta ainda algo de irredutível? Há alguma especificidade no homem na condição humana após o olhar da ciência? As ciências ao fim de sua tarefa, ao explicar o homem, ao colocá-lo em perspectivas, ao objetivá-lo, provoca alguma desfiguração ou alguma deformação?</div><div align="justify">Por outro lado, o pensamento filosófico, objetivado em diversas concepções ou correntes teóricas, através da história, não se exime inteiramente das críticas de reducionismo que são endereçadas às ciências humanas. O idealismo, de todos os matizes, reduzindo o sujeito humano ao Cogito, o positivismo encerrando-o em condições empíricas de sua atividade prática, a psicanálise freudiana, restringindo-o a um nó de pulsões, o marxismo reduzindo-o a um conjunto de relações sociais e econômicas, o estruturalismo negando autonomia ao sujeito, transformando-o em mero elemento de um sistema opressor e despersonalizante: eis quantos reducionismos.</div><div align="justify">Estas duas tentativas - a ciência e a filosofia -- ambas antropologia - relacionam-se dialeticamente num processo de mútua fecundação. Limitar-se a uma análise científica significa contentar-se com uma visão estática do humano - o homem como ele é. A filosofia tem sua importância para a realização do homem na medida em que não aborda o homem somente naquilo que ele é, mas no que ele pode ser (projeto). De novo nos acolhe a questão: o que vamos fazer do homem? Ser e poder-ser se vinculam. O poder-ser não denota uma saída alienante, como se o homem se lançasse, se projetasse para algo que nada tem a ver com sua condição, algo transcendente de modo absoluto. A emergência do existir é uma tarefa pela qual identificamos a realização do homem: este se esforça em ser nada menos que homem ("qui fait l’ange fait la bête), em descobrir a cada instante o ponto de articulação entre os seus limites e suas potencialidades ou possibilidades. Ele está diante de um equilíbrio tenso. </div><div align="justify">Cabe à reflexão filosófica a tarefa de compreensão da condição humana. O esforço se remeterá ao solo primeiro de onde o pensamento emerge e busca seus marcos de orientação, a saber, os eventos da experiência concreta, vivida. Esta como evento, fluxo de eventos, e fonte de significação, é um acontecimento significante. Tais eventos são cheios de sentido que se manifesta, se expressa na linguagem do cotidiano, no nível dos gestos, no momento principal do específico humano -- corpo - consciência. Estas objetivações de linguagem estampam o homem "dizendo-se" nas suas relações com o mundo e com os outros.</div><div align="justify">Ter como mira de esforço compreensivo os eventos, as experiências da vida cotidiana, implica na necessidade de se encarar, em complexidade o próprio dado humano, a condição humana. Encarar em complexidade significa evitar as alternativas. Como disse acima, explicação e compreensão, ciências humanas e filosofia articulam-se dialeticamente em fertilização mútua no empreendimento comum de conhecimentos da condição humana. </div><div align="justify">Tal tarefa é infinda, não se esgota, já que, sendo o homem histórico este ponto de articulação está sempre se modificando. Pela perspectiva da totalidade a reflexão empreendida pelo filósofo supera ou tenta pelo menos, superar -- no sentido de recuperar unificando e mostrando um sentido (significação e orientação)) desta unidade ou totalidade -- os obstáculos e os desvios causados pela perspectiva da "alternativa" - Ciências Humanas ou Filosofia - e mostrar as chances de uma visão em complexidade onde ambas Ciências Humanas e Filosofia se dialetizam.</div><br />
<div align="justify"><big>Referências Bibliográficas</big></div><div align="justify">Aristóteles (l969) Metafisica. Porto Alegre. Ed.Globo.</div><div align="justify">Barbotin, E. (I 987) L Humanité de l'homme. Paris: Aubier Montaigne.</div><div align="justify">Canclini, N. (l987) O sentido dialético do homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra.</div><div align="justify">Jolif, Y. (I 970) Compreender o homem. São Paulo: EPU.</div><div align="justify">Lima Vaz, H. (l991) Antropologia Filosófica. 2vols. São Paulo: Ed. Loyola.</div><div align="justify">Merleau-Ponty, M. (I 966) Sens et non-sens. Paris: Ed. Nagel, 5@ ed.</div><div align="justify">Merleau-Ponty, M. (l975) Escritos estéticos. São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores).</div><div align="justify">Merleau-Ponty, M. (s/d) Sinais. Lisboa: Ed. Minotauro.</div><div align="justify">Moscovici, S. (l975) A sociedade contra a natureza. Petrópolis: Vozes.</div><div align="justify">Schaff, A. (l991) A sociedade informática. São Paulo: Ed. Brasiliense.</div><div align="justify">Stein, E. (l975) A Melancolia. Porto Alegre: Ed.Movimento. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Newton Aquiles von Zuben <br />
Doutor em Filosofia - Université Catholique de Louvain<br />
Faculdade de Filosofia PUC- Campinas</div>Newton Aquiles von Zubenhttp://www.blogger.com/profile/14162650632468723133noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5748268433629757681.post-61189529163642503502011-04-03T16:28:00.000-03:002011-04-03T16:28:53.904-03:00Martin Buber: De la Philosophie de la Réalisation au Dialogique<div align="right">Newton Aquiles von Zuben</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">1. Le seuil du dialogue </div><div align="justify">Un exemple éclairant du développement progressif de la pensée deBuber concernant le dialogique à partir de ses premières recherches sur le mysticisme jusqu'à l'épanouissement du JE ET TU nous est livre par les diverses interprétations données par Buber du sentiment d'unité. En 1900, dans son essai sur Jacob Bõhm, le sentiment d'unité illustrait l'idée de l'homme comme un petit cosmos qui contient tout. Dês ses premières recherches sur le mysticisme, Buber considérait l'unité mystique de toutes choses cornme existente déjà; il ne s'agissait que de la découvrir. C ' est EXTASE ET CONFESSION (l909) qui nous dévoile l'unité dans l'extase du Je et du monde. La période existentialiste -si l'on peut attribuer ce terme à la pensée de Buber exprimée dans DANIEL ou dans la phase de la philosophie de la réalisation - rejette cette idée. L'unité, au contraire, doit être réalisée et créée dans le monde et non simplement trouvée. Et finalement dans JE ET TU, l'unité est dépassée pour devenir relation dialogique. Je-Tu est un événement qui a lieu entre deux êtres qui demeurent uniques dans leur être même; la relation ne peut jamais devenir unité.</div><div align="justify">Dans les idées développées dans DANIEL, nous trouvons une structure réflexive semblable à celle de JE ET TU. La distinction entre l'homme de réalisation et l'homme d'orientation nous fait penser à la distinction plus nette et plus mûre de JE-TU et Je-Cela. Si DANIEL anticipe en quelque sorte la philosophie du dialogique, il le fait seulement dans son caractère cognitif et non pas -- encore -- dans son caractère communicatif et existentiel.</div><div align="justify">L'essai MIT EINEM MONISTEN, publié en 1914, qui est de la période transitoire entre DANIEL et JE ET TU peut nous éclairer. Nous rencontrons de nouveau ici l'homme de réalisation de DANIEL, l'homrne qui voit la réalité non pas comme une condition fixe, mais comme une grandeur qui peut être rehaussée, ou aussi l'homme qui ne veut plus déplacer le monde des sens mais désire plutôt l'intensifier. Il est celui qui établit l'unité dans le monde en dehors de l'unité expérimentée, car l'unité n'est pas une propriété du monde mais sa tâche. Former l'unité hors du monde est notre tâche de chaque instant. (I)</div><div align="justify">Toutefois les deux aspects de la vie, celui de l'orientation et celui de la réalisation ne s'appliquent plus purement à l'homme même et ne sont plus un moyen de connaître. Ils s'appliquent désormais à ce qui se trouve en face de l'homme et à la relation avec ce qui le rencontre. "Chaque chose, chaque être a une double nature: une nature passive, celle qui peut être absorbée, usée, disséquée , cornparée combinée, rationnalisée, et l'autre, active, celle qui ne peut pas être absorbée, usée, disséquée, comparée, combinée, rationnalisée."(2) Celui qui experimente vraiment une chose de telle telle manière qu'elle s'élance pour le rencontrer et l'envelopper, a connu le monde dans cette-chose-là." (3) Le contact entre l'exprimable et le pouvoir d'expérimenter de nos sens est plus quune simple vibration de l' ether et une réaction du système nerveux; il s'agit là de l'esprit incarné. La réalité du monde expérimenté est d'autant plus puissante que nous l ' expérimentons et réalisons plus intensément. Le monde ne peut être connu autrement qu'atravers les choses et qu'avec le "sens-esprit" (Sinnengeist) actif de l'homme qui aime. (4). L'homme qui aime est celui qui rehausse chaque chose sans relation à autre chose. A ce moment précis rien d'autre existe que cette chose qui est la seule aimée dans le monde et coincidant même avec le monde .Là oú le rationaliste puise les qualités générales de la chose et les place en catégories, l'homme qui aime voit dans la chose ce qui est unique, elle-même dans son être. L'homme qui aime confirme, dans la chose aimée dont il réalise l'être propre, le contenu mystérieux du tout. (5 ) Ce quón peut extraire ou ce qui dans une chose peut être combiné se rapporte toujours à la dimension passive de la chose. Ce qui est actif dans les choses, leur rélité effective, n'est connu que de l'homme qui aime, qui les connait. L'art véritable, c'est l'art qui aime; la science véritable c'est la science qui aime; la vraie philosopjie est la philosophie qui aime. (6) Celui qui poursuit une telle philosophie voit révélé devant lui un sens secret lorsqu'il expérimente une chose du monde. Ce sens ne se présente pas comme quelque chose Qui lui révèle as propre signification. </div><div align="justify">"L'homme qui aime" de MIT EINEM MONISTEN est semblable à l'homme de rélisation de Daniel. Mais ici la double nature de la vie ne s'applique pas seulement à l'homme mais est en quelque sorte inhérente aux choses mêmes. L'accent est mis désormais, non plus sur l'unité des choses ni même sur l'unité à réaliser dont parlait DANIEL, mais bien sur la rencontre entre l'homme et ce qui est devant lui; une rencontre qui ne sera jamais une unité. C'est parce qu'il s'agit d'une rencontre et non d'une unité et parce que cette rencontre a lieu, non entre l'homme et des objets passifs mais entre l'homme et ce qui est actif dans les objets, que l'homme se trouve limité dans son habilité à former -- donner une forme -- le monde et par là même à surmonter le mal même dans le monde .L'homme rencontre néanmoins une aide précieuse car le caractère actif des choses répond à l'expérience d'amour que l'homme en a, de telle sorte que cette force du monde rejoint sa propre force afin de réaliser vraiment son action.</div><div align="justify">Dans ce même essai Buber affirme qu'il n'est pas mystique; cette affirmation est renforcée par l'importance qu'il accorde à la vie sensible dans plusieurs autres essais comme DER ALTAR, BRUDER LEIB, DER DÄMON IN TRAUM et AN DAS GLEICHZEITIGE. Buber a affirmé plus tard qu'une expérience personnelle a exercé une influence décisive dans cette conversion du mysticisme à la vie concrète de chaque jour. Une fois, après une matinée d'enthousiasrne religieux, Buber a reçu Ia visite dlun jeune homme. Celui-ci fut accueilli cordialement et ne fut pas traité plus négligemment que les autres jeunes gens de son âge qui venaient le visiter. Buber omit seulement de deviner les question que le jeune homme ne posait pas. Plus tard Buber apprit que le jeune homme était venu le voir pour prendre une décislon; comme il mourut peu de temps après -- durant l'automne de 1914 -- on pourrait imaginer que dans la décision il était question de vie ou de mort. "Depuis, j'ai renoncé à cette 'chose religieuse' qui n'est qu'exception, isolement, désistement, extase, à moins que ce ne soit elle qui ait renoncé à moi. Je ne possède plus rien que la vie quotidienne, dont on ne me détache jamais. Le mystère ne s'ouvre plus, il s'est dérobé, à moins qu' il n'ait pris demeure ici même, oú tout va comme il va. Je ne connais plus d'autre plenitude que la plenitude d'exigence et de responsabilité que m'offre chaque heure de vie mortelle. Bien loin d'être à sa mesure, je n'en sais pas moins que la parole m'est adressée dans l'exigence et que je puis répondre dans Ia responsabilité, et je sais qui parle et réclame une réponse." (7)</div><div align="justify">On pourrait dire que MIT EINEM MONISTEN forme la transition entre DANIEL et JE ET TU en deux aspects principaux: Dans JE ET TU Buber parle de la double nature des choses non seulement comme qualité de connaissance mais d'être. Et deuxièmement, tant dans JE ET TU comrne dans MIT EINEM MONISTEN l'accent est mis non sur l 'unité des choses ni sur l'unité réalisée de DANIEL, mais sur la rencontre entre l'homme et ce qui est devant lui; cette rencontre n'est pas une unité, elle est une relation qui ne deviendra jamais une identité. Ceci représente la base de cet existential, la singularité, qui se trouve au centre de la relation Je-Tu et constitue la clef pour la conception bubérienne de la relation avec la nature dans laquelle les êtres existants devant nous viennent nous rencontrer comme nous-mêmes nous les rencontrons. Nous ne pouvons pas objectiver ou isoler cette rencontre, nous la connaissons dans la relation, dans la présence entre notre Je humain et l'être non-humaín qui devient réellement un Tu. Cette rencontre, cet impact révèle la seule véritable singularité, celle qui résulte de la relation avec une chose en elle-même, dans son être même, et non pas en la considérant en comparaison avec d'autres choses ou en la soumettant à un ordre de catégories.</div><div align="justify">En 1916 Buber esquissait déjà son JE ET TU mais il n'a atteint la "première clarté décisive" qu'en 1919. `A la lumière de ses nouvelles compréhensions Buber entreprend l'explication des parties de ses premiers écrits qui lui semblaient inexactes ou qui prêtaient à des interprétations erronées. La réalité religieuse n'est pas ce qui sépanouit à l''intérieur de l'homme comme on l'imagine, mais elle est ce qui a lieu essentiellement entre Dieu et l'homme dans la profondeur limpide de la relation dialogique. Affírmer que Dieu est transcendant ou immanent et que cela dépend non de Dieu mais de l'homme est inexact. Cela dépend de la relation entre Dieu et l'homme, relation qui, lorsqu'elle est actuelle, est réciproque. D'autre part, le concept de réalisation de Dieu n'est pas impropre ou inexacte en lui-même, dit Buber, mais il est appliqué improprement quand on parle d'établir Dieu à partir d'une vérité en une réalité. Cela pourrait conduire à la conception erronée d'un Dieu considéré comme une idée qui ne peut devenir réalité qu'à travers l'homme, ou , en outre , d'un Dieu qui n'est pas mais devient dans l'homme et dans l'humanité. Cette opinion est erronée non parce qu'il n'y a pas un devenir divin dans l'immanence mais parce que ce n'est qu'à travers la certitude primordiale de l'être divin que nous pouvons entrer en contact avec le sens mystérieux du devenír de Dieu. Ce devenir est en quelque sorte une division dans l'être de Dieu lorsqu'Il crée et participe à la destinée de la liberte de la création. Dorénavant, aux yeux de Buber, ce qui est essentiel ne sera plus la réalisation de Dieu mais la rencontre entre Díeu et l'homme, la théophanie qui illumine la vie et l'histoire humaines, résultat de cette rencontre. Dieu veut mûrir dans les hommes, dit Buber. Ce n'est pas cependant Dieu qui mûrit ou change, mais la profondeur de la rencontre entre le monde, l'homme et Dieu, et les moyens par lesquels l'homme exprime cette rencontre et la rend pleine de sens pour sa vie concrète de chaque jour. Si Dieu était entièrement un processus, l'homrne ne saurait pas où ce processus aboutirait et il n'y aurait pas de fondement pour la croyance de Buber en ceci que Ia contradiction de la vie peut être rachetée à travers la vie de l'homme dans le monde. Dieu devient pour Buber le Toi éternel, la Personne Absolue plus proche de moi que mon propre Je, le Toi que nous pouvons rencontrer à l'extérieur de nous même et que nous ne pouvons jamais connaître comme impersonnel.</div><div align="justify">La posítion prise par Buber dans sa philosophie du JE ET TU n'est pas irréconciliable avec la métaphysique de la Cabale et du Hassidisme, mais seulement avec sa première interprétation de ces métaphysiques. Buber dans une oeuvre de maturité, dit que le pouvoir qu'a l'homme de reunir Dieu à Sa Shekinah sa vérité dans l'intériorité de la vie de chaque jour dans l'intériorité du hic et nunc; cela ne signifie pas pourtant qu'il y ait une division en Dieu, et qu'une unification ait lieu en Dieu ou encore qu'il y existe une diminution quelconque dans l'entièreté de la transcendance.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">2. L'influence de Feuerbach sur la conception bubeirenne de dialogique.</div><div align="justify">La principale influente sur la pensée bubérienne à côté du Hassidimrne qui a influencé l'ensemble de sa pensée et de sa recherche tant dans le domaine mystique qu'au plan des réflexions philosophiques nous rencontrerons: Kierkegaard et Nietzsche dont les influences se sont reconnues dès DANIEL jusqulà la philosophie du dialogue, et surtout Feuerbach qui a joué un rôle décisif dans le développement de la pensée anthropologique de Buber, surtout par la découverte du Toi.</div><div align="justify">L'objet central des recherches de Feuerbach de as réeflexion fut la philosophie de la religion. Il nous a laissé l'essentiel de sa pensée dans son ouvrage L'ESSENCE DU CHRISTIANISME, quoiqu'apparemment son oeuvre toute entière semble obéir à un mouvement pendulaire entre la critique philosophíque et la critique religieuse. Il souscrit d'abord à la philosophie de Hegel car cette réflexion "lui sembla réaliser par sa conception audacieuse du concret uníversel le rêve de la totalité humaine et résoudre le conflit entre la philosophie et la foi religieuse en unissant dialectiquement liberté personnelle et existence universelle" (8), il l'abandonne par la suite et en entreprend une critique. Pour Feuerbach, la philosophie de Hegel fût,en fait, infidèle à elle même dansa la mesure où s" est dressée eontre l'existence humaine véritable.</div><div align="justify">Feuerbach essaie d'opérer le dépassement à la fois du sensationisme et de l'déalisme. Les sensationistes étaient trop préoccupés du monde au mépris de l'homme qui est finalement la principale réalité sensible. L'idéalisme envisageait lhomme, certes, mais exclusivement dans son pouvoir réflexif, dans sa pensée, comme un être isolé dans sa tour dlivoire négligeant ainsi les réalités sensibles.</div><div align="justify">Afin de bien saisir la lutte engagée par Feuerbach contre Hegel et le sens de sa tentative d'opérer une réduction anthropologique, il semble opportun d'examiner rapidement d'abord la question de savoir par où commence la philosophie. Kant se réclamant de Hume, a postule, par opposition au rationalisme, comme affirmation première de l'homme philosophant, la connaissance. Il s'est interrogé sur les conditions de possibilité de la connaissance et arriva ainsi à la question anthropologique: cet être qui connaît, qu'est-il finalement? Hegel, affirme très fermement et três nettement, déjà au début de L'ENCYCLOPEDIE DES SCIENCES PHILOSOPHIQUES, la non possibilité pour la philosophie de commencer par un objet immédiat car celui -ci est inconciliable avec la nature de la pensée philosophique. En d'autres mots, la situation de l'homme philosophant ne peut pas être au commencement de la philosophie, comme chez Descartes et Kant. La philosophie doit l'anticiper. "L'être pur est au commencement": c'est à partír de ce fondement que Hegel établira le développement de la Raison universelle -et non de la connaissance- comme objet de la philosophie.</div><div align="justify">Sur cette question Feuerbach engage la lutte tenace en vue de la réduction anthropologique, comme tâche de la Nouvelle Philosophie, qui allait essayer de se tourner vers l'homme tout entier comme "être chair et sang", avec tout ce qu'il porte- en lui, avec ses sentiments et ses capacites. Les GRUNDSAETZE DER PHILOSOPHIE DER ZUKUNFT (l843) serait la charte de la Nouvelle Philosophie. II critique l'affirmation de Hegel selon laquelle la logique, étant elle-rnême commencernent de la philosophie, doit commencer par l'être. "Com-mencer, comme elle le fait, par l'être, n'est qu'un pur formalisme, car l'être n'est pas le vrai commencement, le vrai terme premier; on pourrait aussi bien commencer par l'idée absolue, puisqu'avant qu'il n'écrive la logique, c'est à dire avant qu'il ne donne à ses idées logiques uner forme de communication scientifíque, l'idée absolue était déjà pour Hegel une certitude, une vérité immédiate. (9) En outre la Raison universelle n'est qu'un autre nom pour la notion de Dieu. Hegel n'a fait que transposer "l'Etre humain de l'Etre concret dans un Etre abstrait. (10) "La philosophie de Hegel a fait de la pensée, de l'être subjectif, mais pensé sans le sujet, et donc représenté comme un être distinct de lui, l'être divin et absolu." (11) Quand on dit être, on comprend l'être-là, 1'être-pour-soi, existence, l'effectivité, l'objectivité. Tout ceci n'est qu'une seule et même chose vue sous différents points de vue. Hegel, d'après Feuerbach n'est pas sorti de la contradiction entre Pensée et Etre. Aussi bien l'Etre que nous donne la Logique que celui présenté par la "Phénoménologie de l'Esprit" sont en contradiction directe avec l'Etre réel. Pour Feuerbach la question de l'être est une question pratique "une question à laquelle notre être est intéressé, une question de vie et de rnort." (12 ) . La Nouvelle Philosophie n'aura pas pour principe l'Esprit absolu, abstrait ni a Raison in abstracto, mais le vrai être, l'être entier de l'homme. Alors le commencement de la philosophie ne sera pas, comme pour Kant, la connaissance mais l'homme tout entier. "La philosophie nouvelle fait de l'homme joint à la nature (comme base de l'homme) l'objet unique, universel et suprême de la philosophie, et donc de l'anthropologie jointe à la physiologie, la science universelle."(13). Feuerbach accomplit de la sorte la réduction anthropologique, c'est à dire la réducitonde l'Etre à l'existence humaine.</div><div align="justify">Un point capital pour la méditation sur l'homme est la vision de Feuerbach exprimée dans les PRINCIPES. En effet, dans ce quil considère comme étant l'objet le plus haut de la philosophie, l'homme, Feuerbach ne considère pas l'homme en tant qu'individu séparé ; il voit essentiellement l'homme avec l'homme, un rapport entre Je et Tu. Il y arrive en nous expliquant la notion d'objet. Nous aurons, dit-il, un objet, un objet réel seulement quand il y a un autre être agissant sur nous, ou, en d'autres mots, si notre spontanéité, notre autoactivité rencontre une résistance, sa limite dans l'activité d'un autre être. (14) "Originellement le concept d'objet (Object) n'est rien d'autre que le concept d'un autre moi (...) aussi le concept de l'objet (Object) en général est médiatisé par le concept du moi objectif qu'est le toi. " (l5) De la notion d'objet il passe à l'affirmation catégorique du principe de la philosophie: l'homme avec l'homme; c'est la communauté qui est l'essence de l'homme. "L'homme pour soi ne possède en lui l'essence de l'homme ni au titre d'être moral, ni au titre d'être pensant. L'essence de l'homme n'est contenue que dans la communauté, dans l'unité de l'homme avec l'homme, unité qui ne repose que sur la réalité de la distinction du moi et du toi. " (16)</div><div align="justify">Feuerbach nla point développé cette thèse dans ses écrits. Elle reste néanmoins une des principales contributions de Feuerbach à la pensée contemporaine, à savoir, ce sens inhabituel qu'il a donné à la notion de "Mitwelt" comme étant un TU. Par là il a conduit le Je de la corrélation Sujet-Objet vers une dimension plus profonde de la relation Je-Tu. (17) "La vraie dialectique, dit-il, n'est pas un monologue intérieur du penseur solitaire, elle est un dialogue entre moi et toi. "(18) Feuerbach tout en refusant de commencer par un Sujet qui se suffit à lui-même, confronté par un monde fait d'Objets, affirme en outre la nécessité d'une expérience de Tu afin d'être conscient de soi comrne Je. Comme une nécessité épistémologique la conscience des "Tu" est enveloppée ou impliquée dans la certitude d'un monde extérieur qui est là non seulement pour moi mais aussi pour les autres. Même l'amour sensuel porte témoignage à l'altérité réelle et objective du Tu. Je ne peux pas aimer ce qui n'est pas réellement autre que moi-même et finalement un autre soi. L'amour, critère de réalité et de vérité! C'est un témoignage étonnant de la part d'un positiviste et matérialiste. Et c'est cela qui a impressionné Buber. Marx pour as part ne prendra pas en considération dans sa conception de la société cette réalité du rapport entre un moi et un toi. Il prône, par ailleurs, en vue de dépasser l'individualisme étranger à la réalité, un collectivisme qui l'est tout autant, car si l'individualisme ne saisit qu'une partie de l'homme, le collectivisme pour sa part ne voit l'homme qu'en tant que partie.</div><div align="justify">La thèse de Feuerbach qui concerne le dépassement de cet individualisme et traduit la découverte du Toi "a été un événement dont les conséquences sont aussi graves que celles de la découverte du Moi par l'idéalime" à telle enseigne qu'on a pu l'appeler l'acte copernicien de la pensée moderne. (19) Par les PRINCIPES Feuerbach atteint le couronnement de son effort philosophique et établit la charte de son humanisme. Quoique certains commentateurs ne veuillent y voir qu'une sorte de prolongement de la critique de la philosophie de Hegel amorcée dès 1839, il est plausible d'y voir un début d'une expérience philosophique entièrement nouvelle. (20)</div><div align="justify">On a essayé un rapprochernent entre Feuerbach et F. von Baader dans leur opposition à Hegel. F. von Baader oppose au Moi idéaliste hégélien, le rapport entre Je et Tu. II y a cependant une distinction capitale à faire: von Baader accorde, certes, une importance capitale au rapport avec l'autre, mais, dans ses recherches théologiques, il le fonde sur le rapport préalable avec le Toi divin c'est à dire que le Je et le Tu ne s'unissent qu'au sein de la Transcendance. Tandis que chez Feuerbach, "Je et Tu se conditíonnent réciproquement en dehors de toute puissance unificatrice, ou tout au moins avant que ne s'établisse cette puissance unificatrice. L'existence ne procède pas chez lui de l'idée, tout au plus, pourrait-elle y conduire." (21)</div><div align="justify">Quel est le sens et la portée de la présence de Feuerbach dans les réflexions de Buber, présence qui auraient joué un role dans l'essor des conceptions buberiennes sur la dialectique? Doit-on parler de cette présence comme étant vraiment une influence? Lorsqu'on parle d'influence on entend généralement une action subie par quelqulun, action qui s 'exerce d'une façon continuelle et continue. S'agit-il vraiment dlune influence dans le cas de Feuerbaeh? II est curieux de constater que Buber a été plutôt impressionné par la pensée de Feuerbach. Dans sa jeunesse, lorsqu'il a pris connaissance de Feuerbach, Buber vivait dans un clima fortement imprégné de mysticisme, de spiritualité. Surtout dans son monde intérieur, Buber était plongé dans la mystique juive ,et dans le hassidisme plus particulièrement. Le spiritualisme en était la racine et il servait de fondement à ses convictions et ses réflexions naissantes. D'un autre côté Buber avait déjà en son esprit la notion -pourrait-on dire l'intuition, dans la mesure oú on considère un acquis de notre réflexion comme étant quelque chose d'original, une découverte, rnême si quelqu'un d'autre a affirmé la même chose auparavant, pourvu que cet acquis se présente comme un vrai résultat de notre propre effort réflexif du rapport interpersonnel. Il a appris l'histoire du peuple juif. La Bible constitue le témoignage suprême d'un dialogue personnel entre Dieu et le peuple choisi qui reçoit la Parole de ce Dieu. Les conceptions dialogiques de Buber n'avaient certes pas atteint ce niveau de maturité qu'on trouvera dans JE ET TU, mais les racines de la charte de son ontologie dialogique étaient pourtant presentes. Alors comme ''jamais auparavant, une antthrpologie philosophique n'avait été exigée avec une pareille insistance" l'effort accompli par Feuerbach en vue de ramener l'Etre abstrait à l'existence humaine et d'établir comrne fondement primordial de la nouvelle philosophie non La Raison in abstracto mais bien l'être de l'homme tout entier, ainsi que sa découverte de la nécessité du Toi, du problème de l'autre (jusqu'alors curieusement reste dans l'oubli, l'autre dans son être-même), ont fortement impressíonné Buber. Cette influence fût sentie surtout par le fait que cette valorisation des rapports entre Je et Tu a été amorcée, si non accomplie, par un esprit dont les convictions restaient matérialistes, sensualistes en dépit de l'effort pour les dépasser.</div><div align="justify">La pensée de Feuerbach, ses conceptions exposées surtout dans les PRINCIFES DE LA PHILOSOPHIE DE L'AVENIR ont plutôtt joué le rôle d'irnpulsion décisive, de confirmation -- on serait tente de dire une impulsion d'ordre psychologique -- sur les convictions qui habitaient déjà l'esprit de Buber et qui par un mûrissement continuel ont atteint le niveau définitif dans son oeuvre capitale JE ET TU.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Conclusion</div><div align="justify">Faisoins le point, après ces brèves considérations qui n'ont eu que le souci de faire apparattre le cadre où jaillit la réflexion philosophique de Buber, le climat où cette réflexion a pu prendre ses racines pour pouvoir s'épanouir. L'intention de ce travail est de situer à la génèse de la pensée de Buber, des pensées dont línfluence ont été décisives pour la construction de la charpente qui serait l'âxe central de sa propre pensée </div><div align="justify">Il est raisonable admettre que toute philosophie se construit en relation avec celles qui l'ont précedée. Il est quelque peu délicat d'englober sous un même terme d'influence toutes les presences avec lesquelles la pensée de Buber a communié. Il convient,en effet, faire des distinctions. Sans doute le Hassidisme occupe lieu central dans la pensée de Buber. Il est comme la source qui ait revivre constamment la pensée, et dans laquelle s'alimente l'esprit philosophique. On peut dire que Nietzsche et Feuerbach ont été d'importantes influences sur la pensée de Buber; sans méconnaitre évidemment Kierkegaard. Le Hassidisme l'apport le plus important dans la pensée de Buber, a été l'objet d'une autre étude. Les religions monistes ont joué un role important dans la première période du développement de la pensée bubérienne - entre 1900 et 1910.</div><div align="justify">Nietzsche et Feuerbach ont, a mon avis, influencé Buber dúne autre manière que le Hassidisme. Les réflexíons de ces penseurs ainsi que celles de Kierkegaard lui ont inspirée une certaíne dimension de l'hulnain. Buber ménageait tous ses efforts en vue de résoudre la crise provoquée par la scission entre Dieu et l'homme; et pour y arriver il dirigeait ses préoccupations vers toutes les solutions possibles; son esprit restait ouvert à la lumière de la liberté, n'importe d'où provenaient ses rayons. II se proposait de considérer les divers élémentes du problème en vue de les ramener à l'unité et pouvoir accéder à la pleine réalisation du principe qu'il a entrevu dans la mystique hassidique qui, selon Buber, avait apporté une réponse à la crise.</div><div align="justify">Notre propos a été de considérer la brève étape dans le dévelopment de la pensée buberienne, la période denominée comme étant celle da la philosophie de la réalisation, présente dans l'ouvrage DANIEL(1913) qui précède le moment du dialogique avec JE et TU publié en 1923. Dans JE ET TU la "relation" sera présentée comme le pilier principal de l'édifice bubérien.</div><br />
<big>Références bibliographiques</big><br />
1. Cfr.M.Buber - Mit einem Monisten. Em HINWEISE p.43.<br />
2. idem.p.39<br />
3. idem.p.39<br />
4. idem.p4l<br />
5. M.Buber - Mit einem Monisten .em HINWEISE pp..41-42<br />
6. idem.p.42<br />
7. M.Buber - Dialogue. Em La vie en dialogue.p.119<br />
8. H.Arvon- Ludwig Feuerbach ou la Transformation du Sacré. P.45<br />
9. L.Feuerbach - Critique de la Philosophie de Hegel. dans MANIFESTES PHILOSOPHIQUES p.34 traduction L.Althusser.<br />
10. M.Buber - Le problème de l'homme p.44<br />
11. L. Feuerbach - Principes de la philosophie de l'Avenir. Dans Manifestes #23 . <br />
12. L.Feuerbach - Principes ... #28, op.cit.<br />
13. Die neue Philosophie macht den Menschen mit Einschluss der Natur ,als der Basis des Menschen, zum alleinigen, universelen und hoechsten Gegenstand der Philosphie -- die Anthropologie also, mit Einschluss der Physiologie, zur Universalwissenschaft."#54 Feuerbach - PRINCIPES. op. Cit.<br />
14. Cfr. Ibidem. # 32.<br />
15. L.Feuerbach - PRINCIPES ...# 32<br />
16. idem. # 59<br />
17. Cfr. M.G. Lange - VORBEMERKUNGEN FUER GRUNDSAETZE - in: KLEINE PHILOSOPHISCHE SCHRIFTEN. p. 83<br />
18. L.FEUERBACH - PRINCIPES. # 62 <br />
19. K.HEIM - ONTOLOGIE UND THEOLOGIE . Zeitschrift fuer Theologie und Kirche. p. 45 Neue Folge XI 1930 p.333 cité par M.Buber - Le problème de l'homme. p. 45<br />
20. Cfr. H.Arvon - L. Feuerbach ou la Transformation du Sacré. p.86<br />
21. ibidem. P. 88. <br />
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Newton Aquiles von Zuben <br />
Doutor em Filosofia - Université Catholique de Louvain<br />
Faculdade de Filosofia PUC- CampinasNewton Aquiles von Zubenhttp://www.blogger.com/profile/14162650632468723133noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5748268433629757681.post-86576411131080512372011-04-03T16:20:00.000-03:002011-04-03T16:20:07.476-03:00O Pensar: Hannah Arendt e Paul Ricoeur<div align="justify">Apresso-me em esclarecer ao leitor a aparente pretensão do título. Não se trata de apresentar as investigações destes dois eminentes "mestres de pensamento" de nosso século. Isso seria, no âmbito desse trabalho uma incomensurável ousadia. No entanto, um projeto dessa natureza pode revestir-se de singular relevância dado o inegável poder de sedução, cada qual a seu modo, que as obras em seu conjunto e suas penetrantes análises e reflexões vem exercendo nas últimas décadas no âmbito da filosofia e do pensamento político. Ambos são herdeiros de uma tradição filosófica cujos mestres são alguns dos maiores filósofos de nosso século, como Husserl, Heidegger, Jaspers. Não tenciono estabelecer qualquer comparação ou paralelismo. Muito menos enfrentar o desafio de ponderar tendo como objeto de análise a obra ou alguma obra em particular de um ou de outra, influências mútuas ou alguma polêmica. Ricoeur é um leitor especial de H. Arendt, tendo publicado diversos textos preciosos sobre o pensamento político de Arendt assim como um belo prefácio à edição francesa de Human condition (La condition de l’homme moderne). Desconheço algum trabalho de Arendt sobre Ricoeur. De qualquer modo este meu trabalho é modesto. Seguir por breve momento algumas reflexões de ambos sobre o pensar.</div><div align="justify">A leitura dos grandes mestres da filosofia nos mostra que é importante, antes de tudo, estar aberto e atento à problemática significada pelo filósofo e como ele nos convida a seguir seu caminhar. Trata-se, a meu ver, de um movimento de deslocamento de si próprio para estar atentar ao outro, à sua palavra. E, então, julgar se o "desvio" pela obra, a "desapropriação de si", ao ouvir o outro, revelou algum sentido para o desafio que cada qual de nós enfrenta em seu existir. Assim, meu propósito, por ora, é entender a interpelação que essa pensadora e esse filósofo, duas admiráveis figuras de nossa época, nos endereçam como um convite a seguir as trilhas de suas meditações. Cada qual a seu modo está profundamente engolfado na problemática da condição humana, na busca de sentido como tarefa primordial do filosofar. E como notou Merleau-Ponty no seu Eloge de la philosophie, "se filosofar é descobrir o sentido primeiro do ser, não se filosofa abandonando a situação humana; deve-se, ao contrário, nela entranhar-se". E ambos têm como ponto central de suas meditações a condição humana cuja decifração de sentido é a tarefa imperiosa da reflexão filosófica.</div><div align="justify">Paul Ricoeur cunhou, já há algum tempo, uma expressão tão breve quanto densa e emblemática: "Le symbole donne à penser" ([1960] - Finitude et culpabilité vol. II La symbolique du mal. pag 26. Nesse mesmo volume a conclusão recebeu como título esta mesma expressão. Esta máxima ocupou por bom tempo suas investigações filosóficas. </div><div align="justify">A frase inaugural da obra se expressa numa interrogação: "como passar da possibilidade do mal humano à sua realidade, da falibilidade à falta (faute)" (pag.11). E Ricoeur, imediatamente mostra sua intenção: "Tal passagem nós tentaremos surpreendê-la no ato," repetindo em nós mesmos a "confissão" que a consciência religiosa faz. (idem). Ricoeur inicia, então, rigorosa e magistral investigação voltando-se para o mito naquela dimensão onde revela seu alcance de compreensão, que é a "função simbólica", vale dizer, seu poder de revelar, de descobrir o vínculo do homem a seu sagrado."(pag.13) Tendo passado pelo processo que Ricoeur denomina "desmitologização", processo pelo qual se exclui a intenção etiológica, isto é, seu intento primordial de explicar a origem das coisas, e uma vez desmitologizado no contato com a história científica e elevado à dignidade de símbolo, o mito é uma dimensão do pensamento moderno (cfr. idem pag.13) Desde o início desse seu itinerário, Ricoeur deixa claro seu vínculo com duas culturas que constituem, segundo ele, o primeiro estrato de nossa memória filosófica: a cultura grega e a judaica. "Mais precisamente, afirma ele, o encontro da fonte judaica com a origem grega é a intercessão fundamental e fundadora de nossa cultura; a fonte judaica é o primeiro" outro "da filosofia, seu outro o mais" próximo; o fato abstratamente contingente deste encontro é o destino mesmo de nossa existência ocidental. (idem pag. 27). Ricoeur situa-se claramente na tradição da filosofia ocidental.</div><div align="justify">Hannah Arendt, em sua última obra A vida do espírito -(vol. I "O Pensar" - [1975 edição original]) apresenta o terceiro capítulo com uma indagação também emblemática: O que nos faz pensar?</div><div align="justify">Logo na Introdução Arendt afirma: "Minha preocupação com as atividades espirituais tem origem em duas fontes bastante distintas. O impulso imediato derivou do fato de eu ter assistido ao julgamento de Eichmann em Jerusalém. Em meu relato (Arendt indica a obra publicada sob o título" Eichmann em Jerusalém- 1963), mencionei a "banalidade do mal". Por trás desta expressão não procurei sustentar nenhuma tese ou doutrina, muito embora estivesse vagamente consciente de que ela se opunha à nossa tradição de pensamento -- literário, teológico, filosófico -- sobre o fenômeno do mal."(idem pag.5). Mais adiante Arendt afirma: "o que me deixou aturdida foi que a conspícua superficialidade do agente tornava impossível retraçar o mal incontestável de seus atos, em suas raízes ou motivos, em quaisquer níveis mais profundos. Os atos eram monstruosos, mas o agente -- ao menos aquele que estava em julgamento -- era bastante comum, banal, e não demoníaco e monstruoso." (idem pag. 6). Arendt refere-se à "irreflexão" como característica notada do comportamento do acusado. Foi a ausência de pensamento que provocou sua atenção; "uma experiência, afirma ela, tão comum em nossa vida cotidiana .em que dificilmente temos tempo, e muito menos desejo de parar para pensar." (idem).</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">1- Ricoeur: o símbolo e a reflexão</div><div align="justify">"O símbolo dá a pensar. "Ricoeur vê aí desvelar-se duas coisas: o símbolo dá. O que ele dá? o sentido nele, de certo modo, enclausurado. Isso quer dizer que eu não constituo o sentido, não dou o sentido. O símbolo carrega em seu seio o sentido que irá interpelar." A partir da doação, a posição". (pag.325) E mais, o símbolo dá a pensar, do que pensar .(pag. 324). E o filósofo pode empreender o pensar na tarefa de interpretação criadora de sentido, fiel à impulsão do símbolo que dá a pensar, e fiel ao juramento do filósofo que é de compreender. (cfr. 324) O que pode sugerir esse aforisma? Ricoeur responde: "o aforisma sugere, ao mesmo tempo, que tudo está já dito em enigma e que, contudo, é preciso sempre tudo começar e recomeçar na dimensão do pensar." (pag.325). É esta articulação do pensamento entregue a ele mesmo no reino dos símbolos e do pensamento poente e pensante que constitui o ponto crítico de todo o empreendimento. Tudo já está dito em enigma. Estamos desde sempre no reino da linguagem. É mister, portanto, uma interpretação que respeite o enigma original dos símbolos (pag.325) deixando-se instruir por eles e a partir daí promova o sentido, forme o sentido na responsabilidade plena de um pensamento autônomo. (cfr.pag.325). Para a filosofia a tarefa não é impossível uma vez que o símbolo situa-se no elemento da palavra.</div><div align="justify">Mas como entender a noção de símbolo? </div><div align="justify">O símbolo é antes de mais nada um signo. Não qualquer signo, pois nem todo signo é símbolo. É símbolo aquele signo que encerra, em sua visada, uma dupla intencionalidade: os símbolos visam um sentido primeiro, literal, e através deste um segundo sentido que só é acessível pelo primeiro. (cfr. O conflito das interpretações pag. 244). "Denomino símbolo, diz Ricoeur, toda estrutura de significação em que um sentido direto, primeiro, literal designa, por acréscimo, um outro sentido indireto, secundário, figurado que só pode ser aprendido através do primeiro." (idem pag. 15).</div><div align="justify">Diversamente daquilo que se passa numa comparação ou em uma alegoria, onde cada um dos termos é inteligível por si mesmo, o símbolo não dá o seu segundo sentido senão através da transparência do primeiro. Em O conflito das interpretações Ricoeur esclarece: "Diferentemente de uma comparação que consideramos de fora, o símbolo é o próprio movimento do sentido primário que nos faz participar do sentido latente e assim nos assimila ao simbolizado, sem que possamos dominar intelectualmente a similitude." (pag.244). É nesse sentido que o símbolo é doador. É doador porque é uma intencionalidade primária que dá o sentido segundo (idem pag. 244-245). A intenção originante é pensar, atividade do filósofo. É, no entender de Ricoeur, a atividade por excelência que anima a filosofia desde os gregos de cuja tradição de racionalidade somos herdeiros. Ricoeur distingue tal atividade, para melhor aprendê-la, da mera "intuição imaginativa". O pensamento "situa-se, de pronto, desde sua origem (arché) na linguagem que inaugura, no ocidente, o originário desvelamento de uma realidade já aí dada que precedeu qualquer elaboração racional." Pois tal é a situação, de uma parte, tudo foi dito antes da filosofia, por signo e por enigma. Tal é um dos sentidos da palavra de Heráclito: "o mestre, cujo oráculo está em Delfos, não fala, não dissimula,: ele significa." (alla semainei). De outra parte, temos a missão de falar claramente, talvez assumindo também o risco de dissimular ao interpretar o oráculo." (idem .pag.250).</div><div align="justify">No entanto, admitindo-se que a filosofia é reflexão ou que a atividade que caracteriza o filosofar é a reflexão, o que leva, indaga Ricoeur, a reflexão a apelar para o símbolo, para a linguagem simbólica? Isso leva o autor a direcionar sua investigação para o conceito de reflexão. O símbolo provoca a reflexão. E esta é uma atividade específica do homem. Mas como entender esta atividade já que foi o próprio homem, através dela, quem determinou ser uma característica sua específica? "Quando dizemos que a filosofia é reflexão, afirma Ricoeur, queremos dizer reflexão sobre si mesmo." (idem. pag.275). A densidade ontológica como verdade inicial da filosofia esse "si mesmo" recebeu da tradição inaugurada por Descartes, e que passa por Kant e Fichte." (idem). Para essa maneira de ver, a afirmação do si é apresentada como verdade que se auto-proclama. "Ela não pode ser nem verificada, nem deduzida." (idem). O ego do ego cogito afirma uma existência e um ato ou uma operação do pensamento. O ego existe na exata medida em que pensa. E a reflexão vem a ser a auto-posição deste ego cogito. Entendemos, assim, que a reflexão se identifica com a volta imediata sobre si operada pela consciência., o que levaria a uma aproximação indevida entre reflexão e intuição. A posição de Descartes nos apresenta o ego como inteiramente subjugado no seio do Cogito. Ricoeur propõe então, o resgate desse mesmo ego. "A posição do ego deve ser retomada através de seus atos, pois ela não é dada nem numa evidência psicológica, nem em uma intuição intelectual, ou numa visão mística." (idem pag. 275).</div><div align="justify">Tal é a via de acesso proposta por Ricoeur para a retomada do ego. É uma via que se efetiva por um desvio; de fato, "a primeira verdade -- existo, penso -- permanece tão abstrata e vazia quanto inacessível." (pag.275). Atingimos o ego através de uma volta, um desvio, até onde esse ego se cristalizou, se objetivou: suas obras, ações, representações e instituições. A decifragem dessa objetivação é que me dará a compreensão do si. Ricoeur entende que uma filosofia da reflexão não se identifica com uma filosofia da consciência "se por consciência entendemos a consciência imediata de si mesmo" (pag.275). Daí a necessidade de mediação, âmbito onde situam-se os símbolos. A consciência não seria, então um dado, mas uma tarefa. Um passo adiante: é justamente no intervalo entre a reflexão e a intuição que se situa a tarefa da hermenêutica, da interpretação no conhecimento de si mesmo.</div><div align="justify">Como ‘Ricoeur afirma, há uma perda do ego nos "objetos" ou objetivações. Se há perda, o processo de reflexão, de interpretação opera uma recuperação. "Devo recuperar algo que primeiro foi perdido." (idem 276). Há que se recuperar "o ato de existir, a posição do si em toda a densidade de suas obras." (idem). Se me compete recuperar o eu, de certo modo "extraviado" nas suas obras e representações, apropriar-me dele significa que a "situação inicial donde procede a reflexão é o ‘esquecimento ‘". (idem, pag. 272). Sou como que cindido, separado do centro de meu existir. Se há cisão significa que eu não possuo, no início, o que sou. "A posição do si não é um dado, é uma tarefa." (idem 277).</div><div align="justify">Para Ricoeur não se deve permanecer na dimensão reveladora do símbolo, o que levaria a entendê-lo como mero aumento da consciência de si. Na verdade, "uma filosofia instruída pelos símbolos tem por tarefa uma transformação qualitativa da consciência reflexiva". (Finitude et culpabilité pag.. 331). Entendido simplesmente em sua função reveladora o símbolo perderia a sua função ontológica. E para Ricoeur, nessa perspectiva fingiríamos crer que o "conhece-te a ti mesmo" é puramente reflexivo, quando, na verdade, é antes de mais nada um apelo endereçado, pelos deuses, a cada um no sentido de melhor situar-se no ser, ou em termos gregos a "ser sábio". (cfr. O conflito pag. 331). E Ricoeur nos relembra a passagem do diálogo platônico Cármide quando Sócrates diz a Crítias: "O que o deus (em Delfos) diz a cada um quando adentra em seu santuário, é: seja sábio! Porém na qualidade de adivinho, ele o diz sob forma enigmática: "conhece-te a ti mesmo", que é equivalente a "seja sábio" assim como diz a inscrição e que eu confirmo." (Cármide 165 a.).</div><div align="justify">A tarefa de que está incumbido o filósofo é romper o recinto encantado da consciência de si, desfazendo o privilégio da reflexão. Para Ricoeur o símbolo nos fala como uma espécie de indicador da situação do homem no ser no qual ele existe e quer. (cfr. idem pag.331."O símbolo dá a pensar que o Cogito está no interior do ser e não o inverso." (idem). Os símbolos dizem a situação do ser do homem no ser do mundo. A reflexão do filósofo terá, então, a tarefa de, a partir dos símbolos, elaborar não só estruturas de reflexão mas também estruturas de existência, na medida em que existência é o ser do homem" (ide pag,331-332).</div><div align="justify">Ricoeur denuncia a redução da reflexão à simples crítica quando na reflexão se tenta hipostasiar as operações do pensamento que fundem a objetividade das nossas representações, em outros termos, a atenção toda volta-se para a epistemologia. Com esta ressalva, ele marca sua preferência pela posição de Jean Nabert que na linha de Fichte, concebe a reflexão como verdadeira reapropriação de nosso esforço para existir. (idem pag 276). "A epistemologia, afirma ele, é apenas uma parte dessa tarefa mais vasta: temos que recuperar o ato de existir, a posição do si em toda a densidade de suas obras." (idem pag,276). Recuperação como apropriação já referida antes". Torno próprio "meu próprio", aquilo que deixou de ser meu. "Percebe-se bem indicada a preferência da escolha de Ricoeur pela dimensão ética da reflexão, quando refere-se a Spinoza, que entende ética no seu sentido amplo, vale dizer: "quando chama ética o processo completo da filosofia." (idem. pag.277). Que não se confunda, então, ética com moral. Seguindo Spinoza podemos defender que a reflexão é ética antes de se apresentar como crítica da moralidade. "Sua meta é, afirma Ricoeur, de apreender o ego no seu esforço para existir, em seu desejo de ser." (idem pag, 277). Aí, então Ricoeur prossegue sua argumentação articulando de modo admirável a idéia platônica do Eros como desejo, amor e a idéia spinozista de conatus (esforço, empenho). O conatus como esforço é desejo na medida em que nunca se satisfaz; e o desejo como Eros é um esforço uma vez que é a afirmação de um ser e não uma carência de ser. (cfr. O Conflito, pag.277). "Esforço e desejo são as duas faces dessa posição de Si na primeira verdade: sou, existo." (idem pag.277). Ricoeur arremata sua argumentação com as palavras simples, porém densas e de singular propriedade semântica conceituando reflexão como "a apropriação de nosso esforço para existir e de nosso desejo de ser, através das obras que atestam esse esforço e esse desejo." (idem pag,.277).</div><div align="justify">O símbolo dá a pensar. A filosofia está apta a buscar uma interpretação instituidora de sentido sendo fiel tanto ao impulso do símbolo que dá a pensar quanto fiel ao compromisso ao juramento do filósofo que é de compreender (cfr. Culpabilité ... pag. 326). Pensar a partir do símbolo. Como? O que é necessário é uma interpretação que respeite o enigma original dos símbolos, que se deixa instruir e ensinar por eles mas que, a partir daí, promova o sentido, forme o sentido na plena responsabilidade de um pensamento autônomo. E aqui mostra-se, segundo Ricoeur, a aporia: o pensamento ao mesmo tempo livre e vinculado. E como é possível, indaga ele, vincular a imediatez do símbolo e a mediação do pensamento? (cfr. pag. 325).</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">2- Arendt e as falácias da metafísica</div><div align="justify">Nem todos os pensadores ou filósofos têm a preocupação em tematisar explicitamente a atividade de pensamento. Poucos a tomaram como objeto de análise e investigação. Hannah Arendt, em sua ultima obra A vida do espírito, consagra o primeiro volume ao Pensar. Concebida originariamente para ser publicada em três volumes Pensar, Querer e Julgar.</div><div align="justify">O ponto de partida foi um "incidente" - o fato de ter assistido, em Jerusalém, o processo de Eichemann. Em seu "Entre o passado e o futuro" Arendt assevera : "Meu pressuposto é que o pensamento emerge de incidentes da experiência viva e a eles deve permanecer ligado, já que são os únicos marcos por onde pode obter orientação." (pag. 41). Na introdução do volume Pensar Arendt afirma: tendo sido aturdida por um fato, que queira eu ou não, "me pôs na posse de um conceito" (a banalidade do mal), ... Ela denominou "irreflexão", ou "ausência de pensamento" que despertou seu interesse durante as seções do julgamento de Eichman. O acusado não era demoníaco ou monstruoso segundo o entendimento de Arendt., o que chocou muita gente. Não. ele era simplesmente banal, comum, "A conspícua superficialidade do agente tornava impossível retraçar o mal incontestável de seus atos..." (idem pag. 5). Foi a ausência de pensamento que despertou seu interesse. E isso levou-a à seguinte questão: "Será que a maldade -- como quer que se defina este estar" determinado a ser vilão" --- não é uma condição necessária para fazer o mal? Será possível que o problema do bem e do mal, o problema de nossa faculdade para distinguir o que é certo do que é errado, esteja conectado com nossa faculdade de pensar?" (idem pag.6). Para Arendt a resposta é não. Pelo menos se concebe o pensar como a capacidade de produzir de conceber como resultado o bem. No fundo a questão que se impunha era: "seria possível que a atividade de pensamento como tal --- o hábito de examinar o que quer que aconteça ou chame a atenção independentemente de resultados e conteúdo específico --- estivesse dentre as condições que levam os homens a se absterem de fazer o mal, ou mesmo que ela realmente os ’condicione‘ contra ele?" (idem pag. 6-7).</div><div align="justify">Podemos observar que o problema do mal despertou o interesse de reflexão de ambos os autores. Ambos, relacionam de algum modo, o pensamento e o mal. Ricoeur retoma os mitos e inicia sua marcha investigativa através do estudo da "confissão" do mal e dos mitos da culpa e da mancha, numa dimensão do sagrado no humano. Seu horizonte de significação é o entrecruzamento da tradição grega e a fonte judaica. Para Ricoeur o pensamento é instado a decifrar o sentido encoberto nos símbolos -- é realçada sua função interpretativa, hermenêutica na busca de sentido.</div><div align="justify">A questão do pensar já estivera presente, antes, nas reflexões de H. Arendt em sua monumental "A condição humana", título sugerido pelo editor .Ela própria havia cunhado o título "Vita activa". Sua atenção voltava-se para o conceito de ação "a mais antiga preocupação da teoria política." Arendt se autodenominava como alguém interessada em teoria e ciência política. Não aceitava quando alguém a considerava um filósofo. "Não pretendo nem ambiciono ser ‘um filósofo, ou estar incluída entre aqueles que Kant não sem ironia chamou de Denker von Gewerbe -(pensadores profissionais)." (idem pag.6). O que a incomodou, pode parecer, foi a posição privilegiada em que a Filosofia, em sua origem, sempre colocou a contemplação, ou a vita contemplativa ou bios theoretikós. O termo por ela adotado -- vita activa -- foi cunhado por "homens dedicados a um modo de vida contemplativo e que olhavam deste ponto de vista para todos os modos de vida." (idem pag. 7). Segundo Arendt a atividade de pensamento para Platão serve apenas para abrir os olhos do espírito e o nous de Aristóteles é um órgão para ver e contemplar a verdade. (cfr.idem pag.7). O pensamento visa portanto a contemplação e esta não é atividade mas passividade", o ponto em que as atividades espirituais entram em repouso. (idem). Desde então as duas "vidas" a contemplativa e a ativa, se cindiram. E a história da filosofia mostra na seqüência, é o que despertou o interesse de Arendt, que "a noção de completa quietude da Vita contemplativa era tão avassaladora que, em comparação com ela, todas as diferenças entre as diversas atividades da Vita activa desapareciam." (icem pag. 8).</div><div align="justify">Arendt estava convencida da possibilidade de se investigar as questões da ação e do pensar de uma perspectiva diferente daquele herdada da filosofia. Ele questionou fortemente a posição dos filósofos, de Platão e Aristóteles passando por Descartes e Kant. É emblemática sua lembrança, no final de A condição humana, da sentença atribuída, por Cícero, a Catão: nunca um homem está mais ativo do que quando nada faz, nunca está menos só do que quando está a sós consigo mesmo." (idem pag. 8 - a obra citada de Cícero é De Republica. I, 17). Na Introdução a "A vida do espírito" confessa ter-se afastado do "âmbito seguro da ciência e da teoria políticas para "aventurar-se nesses temas espantosos".</div><div align="justify">Mesmo que Arendt tenha insistido nessa sua posição de assim denominado distanciamento do âmbito da filosofia, dificilmente pode-se aceitar não entendê-la como singular herdeira da tradição filosófica desde o mundo grego (incontestável modelo para Arendt) até o pensamento filosófico alemão. A marcante e expressão de René Char tão salientado por Arendt em seus estudos, quase que à maneira de lema: Notre héritage n’est précédé d’aucun testament (nossa herança não vem precedida de testamento algum) esclarece de modo inequívoco qual será a posição de Arendt na filosofia contemporânea. "Juntei-me, diz ela ao final do volume, claramente às fileiras daqueles que, já há algum tempo, vêm tentando desmontar a metafísica e a filosofia, com todas suas categorias, do modo como as conhecemos, desde o seu começo na Grécia, até hoje." (idem pag.159). E acrescenta que tal desmontagem "só é possível se aceitarmos que o fio da tradição está rompido e que não podemos reatá-lo." (idem). No entanto, apressa-se em admitir que as "falácias metafísicas" são o único registro sobre o que representou o pensamento como atividade para aqueles - os filósofos - que o escolheram como modo de vida. Tanto a metafísica como a filosofia, após esse "desmonte" (note-se que Heidegger é o conhecido artífice de tal operação), não tenham mais relevância, ou nem sejam convincentes para os leitores modernos. Nem por isso, no entanto, devem ser rotuladas como puro absurdo e, em conseqüência, descartadas. "Ao contrário, diz Arendt, as falácias metafísicas contêm as únicas pistas que temos para descobrir o que significa o pensamento para aqueles que nele se engajam -- algo extremamente importante neste momento e sobre o que, estranhamente, existem poucos depoimentos diretos." (idem pag. 12).</div><div align="justify">No meu entender, é singular, em nossa época, a posição de Arendt em relação à herança comum a todos na qual vem sendo tecida nossa cultura ocidental. Arendt orgulha-se, fica patente, de poder considerar-se herdeira de um tesouro. Podemos "olhar o passado, diz ela, com novos olhos, sem o fardo e a orientação de quaisquer tradições e, assim, dispor de uma enorme riqueza de experiências brutas, sem estarmos limitados por quaisquer prescrições sobre a maneira de lidar com estes tesouros. Em outros termos, não somos amordaçados e enclausurados em uma espécie de "manual de instruções de como usar .." .Nossa criatividade não terá amarras a ceifar-lhe as forças. É justamente essa a vantagem de nossa atual situação subsequente à morte da metafísica: podermos olhar o passado com olhos livres das prescrições que ofuscam nossa visão. E Arendt volta a insistir na sua posição de distanciamento dos filósofos, pois, esses pensadores profissionais retiram-se do mundo das aparências que desde Platão é chamada a região de poucos.</div><div align="justify">Quando Arendt refere-se às falácias metafísicas (os obstáculos ou argumentos ardilosos sob os quais a metafísica simula atividade de pensamento) não quer dizer que denuncia o paradoxo da pertença ao mundo e da retirada do mundo. Ao contrário, essa posição consiste em reafirmar reconhecendo esse paradoxo como tal e em fazê-lo valer. "Há falácia quando o paradoxo, longe de ser reconhecido como tal, é encoberto. E esse paradoxo é aquele da condição humana que, por um lado, pertence ao mundo das aparências e que, por outro lado, dele se retira para pensar, querer, julgar." (Taminiaux, 1989.-94). Arendt afirma como essencial para o empreendimento todo a distinção estabelecida por Kant entre duas faculdades espirituais: Vernunft e Verstand – razão e intelecto. Essa distinção, para Arendt, entre as duas faculdades coincide com a distinção entre duas atividades espirituais diferentes: pensar e conhecer. Ambas têm interesses ou finalidades distintas: o significado no primeiro caso, e a cognição no segundo. Segundo Arendt Kant não deu atenção à especificidade da atividade de pensar, pois exigiu dela um resultado aplicando-lhe o "tipo de critério" para a certeza e a evidência, que são os resultados e os critérios da cognição. O grande obstáculo que a razão (Vernunft) põe em seu próprio caminho, afirma Arendt, origina-se no intelecto (Verstand) e nos critérios, de resto inteiramente justificados, que ele estabeleceu para os seus propósitos, ou seja, para saciar nossa sede e fazer face à nossa necessidade de conhecimento e de cognição. (Arendt, A vida do espírito. – pag. 12).</div><div align="justify">Hannah Arendt resume sua crítica afirmando que "a necessidade da razão não é inspirada pela busca da verdade, mas pela busca do significado. E verdade e significado não são a mesma coisa". (idem). A falácia subjacente a isso é a interpretação do significado no modelo da verdade. Pensar, insiste Arendt não é conhecer. O conhecer tem por objetivo a verdade, enquanto que o pensar visa o sentido.</div><div align="justify">O desmantelamento da metafísica, da filosofia e suas categorias como as conhecemos desde o seu início na Grécia tal como o entende Arendt, a leva a operar na "A vida do espírito" um deslocamento da questão do Ser para a questão da aparência ao trazer a atividade de pensar à sua condição fenomenal. Assim deve-se pensar o pensamento a partir do mundo e não pensar o ser a partir do pensamento. A filosofia poderá, então, voltar-se novamente para a política, o que é fundamental para Arendt. O pensar só terá sentido se relacionado à aparência de um mundo fenomenal. Porém, as atividades mentais são invisíveis em relação ao mundo. Arendt fala de um processo de "desensorialização" pelo qual passa o pensamento, apresentando, desse modo, o traço singular de realizar-se sem atos visíveis e manifestos . O pensamento situa-se, por assim dizer, "fora do mundo" ao contrário da ação e da palavra, as quais exigem um espaço (ver versão francesa pag. 88).</div><div align="justify">Pensar aparece como um retirar-se, evadir-se da companhia de outros, impedindo, assim, a ação, atividade que é exercida entre os homens. Pensar seria uma morte viva. "Assim, diz Arendt, o idioma dos romanos – talvez o povo mais político que conhecemos – empregava como sinônimo as expressões" viver" e "estar entre os homens" (inter homines esse) ou "morrer" e "deixar de estar entre os homens" (inter homines esse desinere) "(A condição humana" pag. 15). Situação inquietante, pois, o pensamento estaria, por isso condenado alienar-se do mundo. Como seria possível uma "vida do espírito" se pensar é entendido como morte ao mundo? Por outro lado, a vida sem discurso e sem ação – único modo de vida em que há sincera renúncia de toda vaidade e aparência na acepção bíblica da palavra -- está literalmente morta para o mundo; deixa de ser uma vida humana, uma vez que já não é vivida entre os homens."(Arendt 1981. P. 189).</div><br />
<div align="justify">3- Sócrates como modelo</div><div align="justify">As diversas respostas, "historicamente representativas" apresentadas por filósofos profissionais, Arendt as qualifica de dúbias, pois, quando levantada por esses filósofos, a questão - O que nos faz pensar? - "não surge das suas próprias experiências enquanto estão pensando" (Arendt 1992 p. 125). E’ formulada de fora. E, irônica, Arendt afirma: é essa impotência do ego pensante para explicar – se que faz dos filósofos, dos pensadores profissionais, uma tribo tão difícil de lidar." (idem pag. 126).</div><div align="justify">O filósofo retira-se do mundo das aparências para pensar; não tem qualquer impulso em aparecer nesse mundo. Visto a partir da perspectiva desse mundo, o eu pensante do filósofo vive escondido. E Arendt insiste que a pergunta tal como formulada: "o que nos faz pensar?" tem a intenção de provocá-lo a manifestar-se, trazê-lo para o mundo das aparências (no sentido de manifesto, do aparecer abertamente). Arendt busca, então, um modelo de "pensador não profissional que unifique em sua pessoa duas paixões aparentemente contraditórias, a de pensar e a de agir." (idem. Pag.126). Alguém capaz de estar à vontade nas duas esferas e de passar de uma para outra e não alguém que saiba unicamente estabelecer padrões teóricos para ação. Arendt enumera os diversos requisitos resumindo-os na seguinte expressão: "um pensador que tenha permanecido sempre um homem entre homens, que nunca tenha evitado a praça." (idem 126). E, sobretudo, "caso esse homem possa representar para nós a real atividade de pensar, então não terá deixado atrás de si nenhum corpo doutrinário." (idem pag 126).</div><div align="justify">Tal modelo só pode ser Sócrates. Note-se bem que Arendt deixa claro que pretende explorar uma outra maneira de se pensar além daquela apresentada pelo filósofo, um pensador profissional, aquele da vida escondida "lathe biosas" (idem pag. 126) identificado com o metafísico. Ela procura a resposta do "não-profissional" ou aquele que unifica duas paixões contraditórias: a de pensar e a de agir, como já foi dito acima. A vita activa, vida de ação, é para Arendt, a vida da "condição humana": ação – atividade que se passa entre os homens. Sócrates foi notado não por ter dado a vida por "um credo ou doutrina – ele não tinha nenhum dos dois -- mas simplesmente pelo direito de examinar as opiniões alheias, pensar sobre elas e pedir a seus interlocutores que fizessem o mesmo." (idem pag, 127). Sócrates praticou um tipo de reflexão ponderativa que não visava produzir algum resultado. Em outros termos, o que chamou a atenção no "pensar" de Sócrates foi sua convicção, entre outras, de que a virtude pudesse ser ensinada, ou, que "falar e pensar sobre a piedade, a justiça, a coragem poderia tornar os homens mais piedosos justos e corajosos." (idem pag. 129).</div><div align="justify">Para ilustrar as convicções de Sócrates, Arendt explora as comparações que o próprio Sócrates estabeleceu a seu respeito. Ele se comparava a um moscardo, a uma arraia-elétrica e a uma parteira. Como moscardo ele sabe ferroar os cidadãos e desperta-los para o pensamento atividade sem a qual a vida sequer vale a pena ser vivida. Como uma parteira, Sócrates sabe como dar à luz os pensamentos dos outros. A parteria é estéril, mas sabe quando lida com uma gravidez ilusória ou real. E nos diálogos, os interlocutores de Sócrates raramente produziram um pensamento que não fosse um falso feto. Ele, então, os "aliviava" de seus pre-conceitos e opiniões não examinados e que impediam o pensamento.</div><div align="justify">E, finalmente, tal como uma arraia-elétrica que com um choque paralisa quem a toca, Sócrates provocava também uma paralisação naqueles com os quais entrava em contato. Para Arendt, no caso de Sócrates, a paralisia induzida pelo pensamento é dupla: ela é inerente ao parar para pensar, à interrupção de todas as atividades .... e, pode ter também um efeito atordoante, depois que a deixamos, nos sentindo inseguros sobre o que parecia acima de qualquer dúvida enquanto estávamos impensadamente engajados em fazer alguma coisa." (idem pag. 132).</div><div align="justify">O que se aprende com o exemplo socrático? Que essa atividade do pensar é uma atividade que visa a busca de sentido da vida; pensamento inquieto que recusa identificar-se com qualquer tipo de conhecimento a busca de certezas e verdades. "Os atenienses disseram a Sócrates que o pensamento era subversivo, que o vento do pensamento era um furacão a varrer do mapa os sinais estabelecidos pelos quais os homens se orientavam, trazendo desordem às cidades e confundindo os cidadãos." (idem pag.134). Mas para ele, Sócrates, o pensar apenas desperta (como a ferroada do moscardo) e isso representa um bem para a cidade. Sócrates não tinha a pretensão de apresentar-se como um grande benfeitor da polis. Insistia, sim, que a vida sem pensamento seria uma vida sem sentido "embora o pensamento jamais torne alguém sábio ou dê respostas às perguntas que ele mesmo levanta." (idem pag.134).</div><br />
<div align="justify">Conclusão</div><div align="justify">O pensamento é a atividade particular do homem ao empreender a busca de sentido (hermenêutica) de seus atos de existência que são objetivados no mundo social e cultural. No pensar articulam-se em convergência e em complexidade a compreensão ética e a interpretação (dimensão simbólica) das obras, das instituições e representações do sujeito humano.</div><div align="justify">Para Ricoeur o símbolo nos dá a pensar; a exegese dos símbolos do mal propicia a entrada dos mitos no conhecimento que o homem tem de si mesmo levando-os, desse modo, ao âmbito do discurso filosófico. O símbolo, nas palavras de Ricoeur, fala como um índice da situação do homem. Toma corpo, assim, a tarefa do filósofo orientado pelo símbolo que é justamente a de provocar a ruptura na consciência de si e subverter o privilégio da reflexão. A partir dos símbolos, para Ricoeur, poderá ser elaborado um quadro de conceitos existenciais ou estruturas de reflexão e estruturas de existência. (cfr. Finitude .. pag.332).</div><div align="justify">Para Ricoeur a filosofia tem a vocação de esclarecer através de noções a existência mesma. A filosofia é a tentativa de expressar, de dizer o sentido não dito, porém, dizível, do existir, da vida. Desse modo ela é primordialmente hermenêutica, interpretação dos sentidos que realizam na história a sedimentação de uma vida.</div><div align="justify">A lembrança de Sócrates por Arendt é particularmente interessante pois que sua posição "é fundada numa experiência própria do pensamento que não é aquela do eu pensante oposto à cidade, nem a do cidadão, mas a que revela a surpreendente convergência entre a experiência do pensamento e a exigência da polis, porquanto ela revela um modo de pensar que nos ensina como a pluralidade mundana se inscreve no coração mesmo da atividade de pensar." (Ontologie et politique pag. 73).</div><div align="justify">Ricoeur ocupou-se com esta questão no início de sua jornada de meditação e investigações filosóficas. Arendt ocupou-se com o pensar pela última vez em sua A vida do espírito. Podemos alcançar um ponto interessante ao qual ambos convergem que é a busca pelo sentido. Na esteira desses pensadores podemos encontrar tarefas do filosofar. Filosofar é engajar-se numa reflexão a propósito da condição humana, sem um mapa nem um destino preciso, talvez até sem saída "prevista". Filosofar é decidir lançar um olhar "outro" sobre as coisas e sobre a vida. Ambos relembram Sócrates ao notar que "não vale a pena viver uma vida sem reflexão". Filosofar é, então, mirar de frente sua própria finitude, apreender o sentido ambíguo do existir e penetrar no mistério do mundo. Se "pensar acompanha o viver ..."(Arendt) filosofar é, então, antes de mais nada, aceitar que a vida é um paradoxo, um enigma, um símbolo a ser interpretado sem cessar. Filosofar seria, ainda, interpretar o mundo sem fim; busca incansável de um sentido que desde que é anunciado aparece já na nudez de sua insignificância. Afinal Sócrates nos deixou a chave para a sabedoria que é o reconhecimento da própria ignorância: eu sei que nada sei de essencial. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Bibliografia </div><div align="justify">Arendt,H.- A vida do espírito. 1992. Ed.Relume Dumará. Rio de Janeiro. </div><div align="justify">Arendt,H.- A dignidade da política. 1993. Ed.Relume Dumará.Rio de Janeiro </div><div align="justify">Arendt,H.- A condição humana. 1981. Ed. Forense. Rio de Janeiro. </div><div align="justify">Abensour,M e allii-(ed.) Actes du Colloque Hannah Arendt.: Ontologie et politique. 1989.Editions Tierce. Paris. </div><div align="justify">Ricoeur,P.- O conflito das interpretações. 1978. Ed.Imago. Rio de Janeiro. </div><div align="justify">Ricoeur, P. – Philosophie de la volonté. Livre II La symbolique du mal. 1960. Ed. Aubier. Paris. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify"> Newton Aquiles von Zuben <br />
Doutor em Filosofia - Université Catholique de Louvain<br />
Faculdade de Filosofia PUC- Campinas</div>Newton Aquiles von Zubenhttp://www.blogger.com/profile/14162650632468723133noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5748268433629757681.post-11494228844948273762011-04-03T15:51:00.001-03:002011-04-03T16:44:33.037-03:00Questões de Bioética: Morte e Direito de Morrer<blockquote><div align="justify">"Não há senão um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena de ser vivida, é responder à questão fundamental da filosofia".</div></blockquote><div align="right">Albert Camus - Mito de Sísifo</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">A morte, assim como a doença e o sofrimento são integrantes da condição humana. Nossa sociedade atual não está muito inclinada a considerar esses fenômenos; sente-se mais atraída pela beleza, pelo aspecto saudável e jovem do existir. Assim, qualquer questionamento ou abordagem sobre o sentido da morte deve levar em conta algumas considerações: primeira, lembrando uma frase de La Rochefoucauld, a saber: "Não se pode olhar fixamente nem o sol nem a morte", julgo muito complexo falar sobre a morte. Dela não podemos ter experiência pessoal alguma. Imaginação frágil? Talvez Antes creio que falta o conceito e esta ausência de conceito pode explicar-se, porque, a rigor a morte não é nada. Veremos isso mais adiante. Ousamos, então falar da morte mesmo que o ser humano sempre tenha tentado exorcizá-la; pelos ritos nas culturas primitivas, pela reflexão ou pela escritura e pela arte nas sociedades mais evoluídas.</div><div align="justify">Em segundo lugar, lembra-nos Montaigne que a "morte é o fim da vida". Ser o fim, o termo de alguma coisa: tal expressão só terá sentido em relação àquilo do qual é o fim. A morte poderá, então, ser concebida somente em relação ao seu polo contrário, a vida. Vida e morte são duas dimensões de um mesmo processo, dialetizam-se. A morte faz parte integrante da vida, do viver, do devir da condição humana. A ciência vem ensinando que no interior da biosfera há um pacto indestrutível entre todas as mortes e todas as vidas. A razão pela qual a morte á absolutamente importante e necessária é que não há organização ou reorganização possível sem que haja desorganização. A vida é, de fato, fundada sobre uma série quase ilimitada de assassinatos inter-espécies. A morte de um é a vida de outro e assim ocorre em todo o ecossistema. Na espécie homo se o nascer pode ser considerado como fortuito, a morte é absolutamente necessária. Pode-se mesmo perguntar se a vida não seria uma doença mortal sexualmente transmitida!</div><div align="justify">Você não morre por estar doente, mas você morre porque está vivo."(Montaigne). Dessa maneira indagar sobre o significado da morte envolve a busca do sentido da vida. Pensar o morrer implica encarar uma questão de vida, mesmo se é para determinar o modo pelo qual ela irá, poderá ou deverá realizar-se. E este é o terceiro aspecto, a saber, se há algum sentido na morte tal sentido só pode ser apreendido por um ser dotado de autoconsciência, o homem. Pois mesmo que, como todo ser vivo, ele se perceba totalmente impotente diante da inexorabilidade da morte, tem uma vantagem sobre todos os outros seres vivos que é poder extraordinário, seja de prolongar o término, seja de antecipá-lo, de algum modo, agindo sobre o processo. .Tal poder de intervenção sobre o processo antecipando, pela sua vontade livre e soberana, o seu fim, dá ao homem o direito moral de o fazer? É esta a questão ética que me importa no momento investigar, uma das cruciais questões da Bioética: vale dizer, apresentar os argumentos em favor da afirmação do direito de toda pessoa em dispor de sua própria vida; e mais, se existe o direito à morte voluntária, não decorreria daí a aceitação da legitimidade de uma assistência quando o sujeito solicita, em toda lucidez?</div><div align="justify">A morte é ambígua, leva-nos a pensar. Por detrás de seu sentido aparente pode esconder-se significados latentes que o homem, desde o pensamento mítico até o pensamento filosófico e científico, vem tentando desvelar. Sobre este processo temos poucos elementos que nos permitam uma interpretação segura. É enorme a quantidade de representações e de concepções que se opõem e se contradizem a respeito da morte, no transcorrer da história da humanidade. Pluralismo ideológico e cultural e a secularização são dois fatos inquestionáveis em nossa época atual. Estamos em um ponto de não retorno. Os homens em geral nas mais diversas culturas e sociedades, até as modernas têm, por diversas razões, se distanciado da morte tentando exorcizá-la. Desde tempos imemoriais as sociedades têm delegado o poder de decisões sobre a vida, o cuidado da vida e sobre a morte à uma instância especial, a medicina. O âmbito deste trabalho não me permite aprofundar na análise dessa questão. Mas esse poder da medicina tem uma longa história. Hoje questiona-se, não a competência da medicina no cuidado com a saúde humana, mas a desmesura desse poder, sua exacerbação. O conceito de morte era há até pouco tempo um conceito médico. Hoje já se exige que seja contextualisado, passando toda a problemática que concerne às condições do viver e do morrer a ser do interesse de toda a sociedade.</div><div align="justify">Garcia Lorca em um de seus escritos, com certo desdém, afirma: "Como no me he preocupado de nacer, no me preocupo de morir". Mesmo sendo um sentimento merecedor de respeito, creio que a morte, pelo menos nesta ocasião, nesses "Diálogos" irá ocupar nossa atenção!</div><div align="justify">Nossa época presente testemunha algo especialmente surpreendente, sem igual em épocas passadas. Testemunhamos profundas mutações que vêm transformando as condições de existência do Homo sapiens. A tecnociência, herdeira da revolução científica moderna, vem conquistando tão espantosa capacidade de interferência e de possibilidade de transformação dos sistemas físicos e orgânicos e do próprio ser humano – o código genético—tornando cada vez mais frágeis nossa capacidade de prever a cadeia das conseqüências. A capacidade de intervenção próprio do projeto tecnocientífico é incomensurável com nossa capacidade de previsão. Presenciamos mesmo uma compulsão paroxística desse poder tecnológico: curiosa situação, o homem é seu criador e se torna a primeira grande vítima. O projeto tecno-científico é um novum que vem provocando uma preocupante ruptura em relação às nossas categorias éticas que se vêem incapacitadas de dar conta racionalmente dessa nova realidade. Se a condição humana pode ser transformada, as representações e significados devem sofrer revisão, inclusive o viver e o morrer.</div><div align="justify">A nova situação provocada pelas mutações criadas pela tecnociência tem tido grande impacto sobre a compreensão da realidade humana, do processo da vida e do processo da morte. A ciência chega mesmo a interpretar o morrer como mera disfunção orgânica. A efetividade dos transplantes de órgãos exige que se caraterizem as condições requeridas ao doador para que se possa realizar a ablação. E mais, a possibilidade de suprir e manter as funções vitais por tempo quase indefinido exigiram a reconsideração do problema do diagnóstico da morte. A própria aceitação do conceito de morte cerebral, definida a partir da perda da função integradora do organismo como um todo por parte do sistema nervoso central não impediu que muitas dúvidas fossem levantadas sobre a legitimidade desse diagnóstico. Há especialistas que avançam para o conceito de high brain criterion – ou a teoria da morte neocortical em oposição àquela aceita como morte cerebral. Quando um indivíduo perde irremediavelmente sua consciência, a capacidade de comunicação e a sua afetividade, características identificadoras de sua personalidade, do seu "si-mesmo", então este indivíduo está morto para os seus entes próximos, mesmo que seu corpo ou o corpo que o animava deva ainda ser considerado como biologicamente vivo. Estabelece-se a distinção entre organismo e pessoa. Afirmar que o homem é pessoa significa reconhecer-lhe o caráter único e exclusivo de sua vida. É esse caráter que transforma essa vida em existência; de simples organismo vivo, bios, vida compartilhada com todos os seres vivos, o homem passa a um ser único, existente, pessoa. Esta existência, modo de ser peculiar aos homens, confere à pessoa a dignidade. Em outros termos a vida do homem é digna não por ser vida, mas justamente por ser uma existência, isto é vida humana.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Morte, morrer: múltiplos sentidos.</div><div align="justify">No âmbito da filosofia a morte parece ininteligível para a razão humana; é propriamente impensável para muitos e absurda para muitos. Relembrando Montaigne, se a morte é o fim da vida, então a consideração do direito de morrer deve articular-se primacialmente com uma concepção do fim da vida, da finalidade do viver. Voltamos sempre à clássica questão: porque viver? Qual o sentido da vida? Não tomo esta indagação no sentido da razão de ser da vida, mas no sentido em que dada a vida (dado o viver), há uma razão ou razões de vivê-la?</div><div align="justify">Epicuro cujo pensamento nos foi legado por Diógenes Laércio e vulgarizado por Cícero, considerava a morte, por ser impensável, inexistente. A morte nada é para mim, disse ele, pois, se me encontro em vida, ela não existe ainda (está ausente) e se existe, eu já não existo. Porém para ele a única razão de viver é o prazer, nosso bem principal e inato. O mesmo diria dois mil anos mais tarde S.Freud com sua teoria do principio do prazer, motivação básica da vida. Qualquer ação está direcionada a buscar o prazer e evitar a dor. Todas as atividades do homem, conhecimento, arte, a natureza são meios para atingir o fim. Pascal em seus "Pensamentos" dirá: Todos os homens buscam ser felizes, até aqueles que vão enforcar-se".</div><div align="justify">O estoicismo pregava o esforço de uma meditação contínua cuja intenção era assegurar a soberania sobre a morte.. Ficou célebre o pensamento de Sêneca: "Para não temer a morte, pense nela sem cessar ".Tal soberania que será a realização decisiva e radical da razão sobre as paixões, e, por isso, sobre o destino, constitui a finalidade, a sabedoria e a felicidade da vida estóica. A paixão a ser dominada era a adesão instintiva à vida e o horror instintivo da morte. O filósofo procura um estado de alma no qual o homem, pela força da razão, pela convicção viva de que a morte não é um mal em si, teria enfraquecido tanto esta adesão instintiva que poderia decidir, tranqüilamente de seu próprio viver ou morrer. Se numa situação de vida, a razão oferece motivos fortes para abandonar esta vida, o homem deve estar pronto a escolher livremente e realizar calmamente a sua própria morte. Para o estoicismo, por essência uma doutrina da liberdade, esta morte não se iguala ao suicídio, produto da paixão, e, portanto, o cúmulo da servidão.</div><div align="justify">Enquanto o sofisma de Epicuro significa mais uma tentativa de escapar senão à morte, pelo menos da idéia e da obsessão da morte, a experiência estóica é a experiência de uma coragem pela qual descobrimos um fundo de esperança que subsiste quando já não há mais nada a fundar a esperança.</div><div align="justify">Em sua "História geral das religiões", M. Leenhardt observa que os Kanakas, índios melanésios, não representavam a morte, o seu sentido lhes era ausente. Eles possuíam a representação da perenidade da vida. Em outros termos, o vivo não se opõe ao morto. Este não passa de um outro estado, de uma outra fase do vivo. "onde vemos continuidade da vida e fissura, o kanaka vê continuidade." Esta ausência de sentimento da morte, segundo Leenhardt, está ligada à inexistência de uma sensação do próprio corpo. Kamo para o primitivo da Nova Caledônia significa "o que vive" isto é, o ser humano. Vivos e mortos, dos deuses, os totens, os antepassados vivem de uma mesma realidade vital, que os kanakas designam por bao. Bao não é precisamente a alma, ou o outro do corpo, uma vez que o corpo enquanto tal não existe. A noção de bao estabelece a ligação entre a morte e a vida, tal como nós a entendemos. Ela anula a cisão e explica porque para o kanaka não há a idéia de destruição na morte. (cfr. Leenhardt – Do Kamo).</div><div align="justify">A noção de alma é desconhecida para os primitivos. De fato o caráter fundamental da noção de alma tal como muitos a concebem é a imaterialidade. Ora o primitivo pré-categorial não tomou distância em relação às coisas, à natureza: ou não há um mundo em face do qual e em função do qual os indivíduos se afirmariam. "O primitivo, afirma Leenhardt, é o homem que não concebeu o vínculo que une seu corpo e ele próprio e permaneceu, então, incapaz de o singularizar." (Do Kamo) O homem pré-categorial não se representa como defrontando-se com a natureza, ou como indivíduo na sociedade. Para ele que ainda não tomou suas distâncias, o equilíbrio não é centrado sobre si-mesmo. O eu afirma-se posterior ao nós; a retomada individual sucede a experiência da unanimidade. Para ele a autonomia individual, erigida pelo pensamento ocidental como critério de valor moral, não é um dado imediato da consciência mítica. "Existir é participar", afirma Lucien Levy-Brühl. A primeira consciência pessoal é tomada no grupo, na comunidade. A individualidade aparece como um nó no tecido das relações sociais. Fora desse tecido social, da comunidade o homem não é nada, perde seu lugar ontológico. Leenhardt afirma que a idéia de morte para os Kanakas é substituída pela idéia de abolição das relações sociais.</div><div align="justify">Os Romanos tinham idéia semelhante ao "empregar como sinônimas as expressões "viver" e "estar entre os homens" (inter homines esse) ou "morrer" e "deixar de estar entre os homens" (inter homines desinere)" (cfr.Arendt,H.A condição humana p.15).</div><div align="justify">Na época moderna, era das primeiras democracias emergentes, aos ideais da revolução francesa acrescenta-se um quarto que é a segurança. E a morte, mesmo para os crentes, se apresentava como a insegurança inexorável. Não é de se admirar que os indivíduos até que um dia possam vencer a morte, queiram negá-la, de certo modo, ou em termos menos radicais, mantê-la distante de seus pensamentos. A ciência moderna teria contribuído com este distanciamento face à morte ao objetivá-la. Atualmente em hospital moderno a morte é um simples "caso" a ser discutido entre profissionais da saúde; e no laboratório, ao lado, não passa de um problema a ser analisado. Sabemos muito bem que em muitos casos os homens e mulheres morrem ou não porque se decidiu (no hospital) que sua hora havia chegado. Será que não está na hora de eles decidirem quando vão morrer? O modelo mais recente da morte está vinculado à medicalização da sociedade, isto é, a um dos setores da sociedade industrial no qual o poder da técnica foi acolhido com maior entusiasmo e com menor contestação. Algumas vozes começam surgir duvidando da "benevolência" (tido como um dos princípios da Bioética) incondicional deste poder médico. Aqui nossa consciência coletiva poderia muito bem promover uma mudança nessa atitude questionando criticamente esse poder da medicina. (cfr. Ariès –Essai sur l"histoire de la mort en Occident du Moyen Âge à nos jours. 1955 p.587).</div><div align="justify">Outrora a morte era um mistério, em nossa época ela tem se tornado um problema. Gabriel Marcel, filósofo francês, assim distingue o problema do mistério: O problema é algo que eu encontro, que impede o caminho. Ele está totalmente diante de mim. Ao contrário, o mistério é algo em que me encontro engajado. O problema está do lado do Ter do verificável, e o mistério do lado do ser do inverificável. Na história recente pode-se constatar que por onde passa ciência o mistério se transforma em problema. E a morte vem recebendo o estatuto de problema. E aí pode residir do ponto de vista do pensamento filosófico um outro problema: a degradação da morte de mistério em problema.</div><div align="justify">Se o "mistério me envolve" ele se torna como um clima. E há questões e respostas que ocorrem em um clima e não nas distinções que possam satisfazer a clareza da lógica da razão e do direito. As questões derradeiras presentes no morrer são questões daquele tipo. Em um clima de mistério, até um gesto que, visto do exterior, poderia parecer como eutanásia ativa seria justificado, permitindo ao moribundo conservar sua dignidade pessoal plena até o último momento. Respeitado o clima de mistério é bem possível que a vontade autêntica do doente seja respeitada, pois, é este clima que propiciará à essa vontade manifestar-se em sua verdade. Afinal porquê exigir que todas as situações sobretudo as situações-limite sejam plenamente nítidas quando sabemos que a ambigüidade e a contradição são características fundamentais da condição humana?</div><div align="justify">Para Camus ninguém morre por causa de um teorema euclidiano. Galileu que considerava como importante uma verdade científica, a abjurou com toda tranqüilidade desde o momento em que ela colocou sua vida em perigo. De fato, ele fez bem, pois, que decidir qual dois, a terra ou o sol, gira em torno um do outro, é indiferente, ou até uma questão banal. Para Camus o sentido da vida é a mais urgente das questões. O suicídio é uma questão metafísica de importância. Malraux, notável escritor francês afirmou: "Aquele que se mata corre atrás de uma imagem que ele se formou de si próprio; nunca ninguém se mata senão para existir". Uma vida sem morte seria incompleta, talvez impensável e até insuportável; só a morte, como ainda afirma Malraux, transforma nossa vida em destino.</div><div align="justify">O morrer que cada um qual traz em si, perturba a afetividade, aliena a razão. A morte é o nada ou o quase-nada que nenhuma ciência consegue apreender tanto no plano dos critérios quanto no plano das definições. Mesmo assim é sobre e nada que se voltam as angústias e que todas as energias parecem mobilizar-se para esconder sob os mais diversos "véus" ou até tentar suprimir fazendo de conta que ela passa ao longe. Os outros ... morrem!</div><div align="justify">Onde podemos situar a morte? Em nenhuma parte e em todo lugar. Enquanto uma "essência" não se pode situá-la em parte alguma, já que ela não é senão ruptura, fenda, simples transição de um antes e o depois -- ser vivo e cadáver. Mas enquanto processo ela está em toda parte: o morrer inicia-se com o nascer, acelera-se com o envelhecimento. Se toda a relação com a morte assim como toda relação com a sexualidade é mediatizada na pluralidade das relações sociais, então a morte está presente em todos os níveis da vida cotidiana. Enquanto não estando em lugar algum a morte não tem o estatuto de objeto empírico: é um simples ponto intocável e sobre o qual o que se pode dizer, como acima afirmei, que está entre um antes – pensamos em um doente terminal, ou nas atitudes em face dos idosos – e um após -- os rituais funerários, o culto aos ancestrais, o luto. A morte é um termo, uma ruptura.. A morte em si não existe; no entanto, a realidade que se estende por debaixo do conceito toma formas as mais variadas.</div><div align="justify">Temos a morte física, como queda na entropia; a morte biológica expressa no cadáver; a morte genética ou a des-programação programada que determina a duração de nossa vida; a morte espiritual; ou a morte psíquica, a do demente enclausurado em seu autismo; e as inúmeras faces da morte social, aquela provocada pelo encarceramento, o abandono no hospício, a psiquiatrização, as aposentadorias, aquela dos milhares de excluídos da sociedade.</div><div align="justify">Um traço que perpassa todas essas figuras é a idéia de corte ou de ruptura: entre vivos e mortos a ruptura física e social. O esquizofrênico em ruptura com o mundo é alienado no hospital psiquiátrico, etc.. A morte em si não significa nada. Como disse acima só há morte porque há vida. E só concebemos, imaginamos e representamos a morte em contraposição à vida, como sua negação: a morte é a "não- mais – vida".</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">A experiência da morte </div><div align="justify">Na tentativa de buscar um sentido ao fenômeno da morte poderíamos indagar se é possível falar de uma experiência da morte, do morrer. Diria que o homem como sujeito individual não poderia fazer experiência de sua própria morte. Afinal como saberíamos? Mas o que ocorre no morrer? é o homem quem morre ou o corpo? Para a concepção dualista cujo defensor mais notável foi Platão, a morte significa a morte do corpo e conseqüente purificação da alma. Para uma das concepções contemporâneas da Antropologia filosófica que tenta ultrapassar tal dualismo, afirmando o existir como a relação dialética de corporeidade e consciência, ou da facticidade e transcendência, a morte representaria a morte do homem. Após a morte, a corporeidade se ausenta, o homem deixa de existir.</div><div align="justify">Posso constatar a morte de outro, posso acompanhá-lo em seu morrer. Mas poderia eu apreender o sentido ontológico do morrer? A morte se me apresenta como um fato metafísico pela morte do outro. Posso experienciar o evento acontecer no outro -- simpaticamente -- posso talvez sentir com ele. E, de repente, tudo termina, e continuo a experimentar a ausência misteriosa que se faz presente. A morte é a presença ausente, o morto, agora o cadáver é a ausência presente. François Mauriac em seu Diário (1935) escreveu: "na terrível constatação que provamos diante do espetáculo de uma morte, ocorre uma sensação de logro, aquele que amamos está ali e não está mais". Naquele momento a morte se nos apresenta como o paroxismo do não-sentido. A morte é o próprio signo da ausência fatal, definitiva dos assuntos humanos (H.Arendt). A experiência da morte do outro não oferece nenhum sinal, a meu ver, de uma continuidade, de um novo estado. Lembrança, logro, desaparecimento. Simone de Beauvoir assim se manifesta sobre a morte de seu companheiro J.P.Sartre: "Sua morte nos separa. Minha morte não nos reunirá. É assim; já é muito bonito que nossas vidas tenham podido estar em acordo tão longo tempo". (La cérimonie des adieux). Na mesma época outro filósofo existencialista Marcel afirmou: "Amar alguém é dizer-lhe: tu não morrerás". O que pode eventualmente ocorrer após a morte é dado somente pela promessa vinculada a um ato de crença que aspira a um reencontro com o outro amado que acaba de morrer. Uma crença que nos promete que ouviremos novamente sua palavra em condições que desconhecemos ou sequer pressentimos. No entanto, creio que a experiência do morrer de pessoa amada não poderia nem destruir nem confirmar tal promessa. A experiência da morte do outro se dá por participação. Ambos, antes unidos pelo elo da comunidade, separam-se pela ruptura. A experiência da morte em sua crueza se revela como um sentimento de infidelidade trágica de sua parte, assim como existe certa experiência de morte no ressentimento diante da infidelidade entre vivos.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Direito de morrer.</div><div align="justify">Finalmente, permitam-se apresentar breves observações sobre uma questão que reputo de extrema atualidade no debate filosófico da bioética.</div><div align="justify">Afirmei acima que vida e morte são dois aspectos de um mesmo processo, de uma mesma condição, a humana. A morte é parte integral da vida. Assim sendo, acredito razoável supor-se que a morte deve ter uma proteção, prevista no ordenamento jurídico. É consensual a aceitação, aliás inscrita na "Declaração dos Direitos Humanos", de que todo ser humano deve ser tratado humanamente. Isso implica que cada ser humano – sem distinção de sexo, idade, cor, língua, religião, origem étnica ou social – possui uma dignidade inalienável e intocável. E como conseqüência, espera-se que cada um, indivíduo ou o Estado, se veja obrigado a honrar essa dignidade e garantir sua efetiva proteção. Pode-se, prosseguindo na argumentação, esperar que o direito de morrer com dignidade deva também ser tão bem protegido como outro direito vinculado ao viver. Assim, interdições ditadas pelo Estado, que causassem uma morte dolorosa e mesmo atroz a um doente terminal, deveriam ser consideradas como um ultraje contra a dignidade humana. Se a morte faz parte da vida, o direito de morrer significa o direito de viver os instantes finais com dignidade. As questões relacionadas à terminalidade da vida, ao tratamento de pacientes terminais têm sido tratadas tradicionalmente pela medicina e quanto à dimensão ética dessas questões tem-se buscado um fundamento e argumentos, de modo proeminente, em correntes doutrinárias religiosas. Hoje, no entanto, não se pode mais ignorar o processo crescente de secularização. " Evoluímos numa sociedade pluralista, tanto religiosa, como política, moral e filosoficamente, onde cada um conta apenas com a força da sua palavra". (Ricoeur-1993 p. 71). As crenças religiosas já não constituem o bem comum. São apenas mais uma palavra que deve fazer-se ouvir no meio de outras.</div><div align="justify">O reconhecimento do pluralismo cultural e ideológico nos leva a colocar as questões em outros termos, aceitando a diferença das perspectivas conflitantes. Não se concebe mais um discurso único, hegemônico e dogmático.</div><div align="justify">No que diz respeito ao denominado "direito de morrer", há consenso, hoje em muitas sociedades, sobre a questão da denominada "eutanásia passiva" baseada no princípio da "morte com dignidade". Como todos sabemos, os avanços nas ciências biomédicas permitem prolongar nossa vida. E isso, sem dúvida, é extraordinário. Esse prolongamento é, ao meu ver, no entanto, como uma faca de dois gumes. Pode provocar o prolongamento do sofrimento e da dor intolerável; e viver quando a situação do doente é tomada pela dor e pelo sofrimento insuportável não é um atentado à sua dignidade? O sofrimento dignifica o indivíduo, afirmam muitos.. Essa idéia (platônica) retomada pelo cristianismo pode, de um outro ponto de vista, ser considerada doentia. E como saber o limite do tolerável em matéria de sofrimento? Quem define? o médico? o religioso? ambos espectadores! Quem poderá dizer o quanto de sofrimento deve suportar uma pessoa até que sua morte, abreviada, possa ser julgada aceitável? Seria, por acaso, um ato heróico e admirável morrer de "modo natural" ao término de um longo combate travado pela medicina de ponta com tecnologia complexa e invasiva?</div><div align="justify">Todos aceitamos que o ser humano tem o direito de viver em dignidade. Porque negar-lhe, de modo reacionário, o poder de decidir sobre sua morte com dignidade e que seja auxiliado nessa escolha? Porque o Direito impede o exercício de um direito?</div><div align="justify">O polêmico e eminente teólogo católico suíço Hans Küng, que há muito tempo está em rota de colisão com o magistério eclesiástico, publica com outros autores um livro interessante cujo título é (em edição inglesa) "Dying with dignity; a plea for personal dignity".(1996) Julgo particularmente interessante e decisivo para o nosso debate seguir, em suas grandes linhas, a argumentação desse pensador.</div><div align="justify">Em diversos países já está acolhido na jurisprudência o princípio denominado princípio de "diretrizes antecipadas", segundo o qual se reconhece a uma pessoa o direito de expressar antecipadamente a própria vontade a respeito da suspensão de terapias de suporte vital quando se encontra em situações médicas particularmente graves e bem definidas como, por exemplo, o estado vegetativo permanente. Hans Küng advoga a extensão desse princípio afirmando fortemente o direito da pessoa humana à escolha livre em todas as situações que se referem à vida e à morte. Defende portanto, não só a suspensão da terapia de sustentação vital com o pedido do paciente (eutanásia passiva) mas também a interrupção ativa da vida do doente terminal a seu pedido (eutanásia ativa). A sua argumentação se sustenta em dois tipos de consideração. A primeira de ordem ética. Considera-se que há consenso entre médicos, juristas e bioeticistas sobre a legitimidade moral da eutanásia passiva, vale dizer, "deixar o doente morrer de morte natural"; percebe-se, por outro lado, que o limite entre omissão e ação (eutanásia passiva e eutanásia ativa) torna-se cada vez mais fluido e tênue, justamente por causa dos avanços consideráveis na tecnociência biomédica. Por exemplo, interromper a ventilação artificial de um paciente incapaz de respiração autônoma é omissão ou ação? Se se admite isso, pode-se aceitar a possibilidade de se considerar justificável a eutanásia ativa.</div><div align="justify">Küng, desenvolve outro argumento, de ordem ético –teológica. Retoma a "Declaração das religiões para uma Ética Global" aprovada no Parlamento das Religiões mundiais, realizada em Chicago de 1993. Nesse documento, confronta a norma "não matarás", comum a todas as religiões, contrapondo seu lado positivo: "respeita todas as vidas". Embora o princípio conserve um valor incondicionado, Küng observa que "estamos em um tempo de mutações velozes de valores e normas", fato admitido até por teólogos e moralistas conservadores, devido às conquistas inauditas e formidáveis da tecnologia avançada na biologia e na medicina. Esses mesmos teólogos conservadores, segundo Küng, após terem combatido por longo tempo a idéia e o projeto de planejamento de nascimentos, acabaram por aceitá-la. Deus atribuiu o início da vida humana à responsabilidade do homem. Do mesmo modo, afirma Küng, é oportuno admitir-se que, também o fim da vida humana, em vista dos novos contextos da medicina contemporânea, possa ser posto por Deus sob a responsabilidade do homem. Assim este, responsável de seu agir e de sua vida, assume igualmente a responsabilidade pela sua morte.</div><div align="justify">Na realidade, hoje o processo de morrer pode prolongar-se pela intervenção da tecnologia médica. Como vimos isso pode significar extensão do sofrimento do doente. Quem deseja lutar até o último instante, exerce um direito e deve ser respeitado e auxiliado. Porém esse direito não deve transformar-se em dever. "O direito à vida, afirma Küng, não eqüivale a uma coerção em viver". E mais, contra a afirmação usual de teólogos moralistas conservadores segundo a qual o abandono prematuro da vida é um "não" do homem a um "sim" de Deus—tendo sido suposto que a vida é um dom de Deus e que o homem não pode dela dispor --; ou então, é um crime contra a vontade de Deus. Küng rebate afirmando que tais argumentos se fundam numa falsa imagem de Deus, embasada em algumas passagens bíblicas escolhidas de modo parcial e interpretadas literalmente. O teólogo declara-se, ao contrário, a favor de uma imagem de Deus como o "Pai dos frágeis, dos sofredores, dos perdidos. ... o Deus solidário da Aliança, que deseja ver no homem, feito à sua imagem e semelhança, um parceiro livre e responsável". E proclama, assim, uma "terceira via teológica e cristãmente responsável entre um libertinismo anti-religioso e irresponsável (que afirma o direito ilimitado ao suicídio) e um rigorismo reacionário sem compaixão (segundo o qual também aquilo que é insuportável deve ser aceito como dom de Deus)".</div><div align="justify">Tais posições defendidas por um teólogo de inquestionável competência e autoridade reconhecida mundialmente, mesmo que se dirijam a espíritos religiosos, são de particular pertinência em nossa atual situação de reivindicação pelo respeito à autodeterminação e dignidade humanas sobretudo na situação próxima à morte. E mais, são um argumento racional em prol do esforço em rebater de modo racional todo pré-conceito de ordem ideológico-religiosa que tenha pretensão de impor suas normas definidas como universais e necessárias.</div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">Conclusão</div><div align="justify">O sentido da morte insere-se no sentido da vida. O princípio é a vida. A morte nos toca, nos apela. O morrer é um ato humano, da condição humana. As representações da morte nas diversas culturas a identificam com a própria angústia. Daí a exorcização e mais recentemente a banalização (violências de toda ordem). Garcia Lorca irônico afirmou: "Como no me he preocupado de nacer, no me preocupo de morir".</div><div align="justify">De minha parte penso relevante re-introduzir o debate sobre a morte em termos críticos e racionais, transcendendo todo particularismo do discurso único, dogmático e moralisador de ideologias conservadoras e reacionárias. A morte é sim um fenômeno cujo significado tem sua repercussão na dimensão social; não se pode, no entanto, reduzi-la a um dos aspectos. Encaro como urgente a indagação crítica na Bioética sobre a preocupação plena de todas as conseqüências da Declaração Universal dos Direitos Humanos: a dignidade e a integridade da pessoa humana, sujeito de deveres e direitos. Assim ao homem cabe tomar a si a responsabilidade do viver e do morrer.</div><div align="justify"><br />
</div>Newton Aquiles von Zubenhttp://www.blogger.com/profile/14162650632468723133noreply@blogger.com0